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4.5.05

Muita saúva e pouca saúde

Desenvolvendo algo comentado no ex-una pequena parte del mundo, hoje Contra o Consenso, e me valendo do sacrosanto direito que cabe ao cidadão privado de falar merda na internet, aqui vai uma lista pessoal, à high fidelity, dos verdadeiros problemas que travam o desenvolvimento do Brasil. Os juros altos, apesar da popularidade e de representarem um problema real, não estão na lista.

1 - Virando de ponta-cabeça a metáfora delfiniana do bolo, a distribuição de renda. O Brasil é um dos maiores mercados consumidores do mundo, com 44 milhões dos bichinhos. Mas esse número representa menos de um quarto da população nacional. O resultado é que o crescimento é condicionado por essa classe consumidora restrita, não pela população total, o que gera várias distorções, da violência ao achatamento dos perfis de consumidores (quem pode pagar por um produto diferenciado paga logo pelo importado).

2 - O alto nível de arbítrio na operação do estado. Também pode chamar de "estado semifeudal," ou do que quiser. A imprensa reclama dos juízes que dizem se preocupar com o social, alegando que juíz é para fazer cumprir a lei. É uma meia-verdade que vira falácia : A) É verdade, juízes têm que cumprir a lei, não sua opinião pessoal, mas B) a lei admite mais de uma interpretação, senão não haveria necessidade de juízes, e C) embora seja verdade que juízes no Brasil muitas vezes decidam à revelia da lei, ou apliquem-na de maneira arbitrária, isso quase sempre opera a favor dos mais ricos e poderosos, não "do social."

3 - A escassez e/ou deformação das informações usadas para a condução de políticas públicas. O caso mais flagrante é o da "proporção urbana da população." Segundo o IBGE, toda sede de município é cidade, toda sede de distrito vila, e quem nelas mora é urbanóide. Graças a isso, procura-se saber "como dotar todas as cidades brasileiras de bibliotecas," quando a pergunta seria "como facilitar o acesso da população rural à leitura." Artifício estatístico derivado disso é o índice de saneamento urbano da américa latina, num dos gráficos abaixo. Outros não faltam, do "pardo" do IBGE (alguém aí é pardo, fora o papel?) à proliferação de taxas de inflação.


4 - A distorção na noção do que é educação. A universidade ainda é extremamente restrita, mesmo comparada ao resto da américa latina; a universidade pública representa um terço da oferta de vagas, enquanto nos EUA são dois terços; a universidade não está acompanhada de um sistema condizente de escolas técnicas nem de um sistema de universidades de segunda, "community colleges." (Que a idéia de que toda universidade deva ser o melhor possível é linda, mas esbarra na falta de recursos.) E a educação nas mãos dos milhares de municípios sem recursos próprios é uma porcaria, como o é a dos estados igualmente sem recursos. O que leva ao quinto problema.

5 - A constituição de 88. Comecemos pela divisão de poderes : completamente misturada: o que está sendo demonstrado agora (quando, pela primeira vez desde 89, pode-se falar em um grupo diferente no controle de um dos poderes) é que os "checks and balances" da estrutura brasileira são mal feitos : permitem aos poderes impedir que os outros executem seu trabalho, mas não rechaçãr intromissões uns nos outros. E o pacto federativo foi feito, não para proteger os poderes das oligarquias locais frente ao poder central, como em outras federações, mas para sujeitar o poder central às ditas oligarquias. Que o digam o Amapá e Roraima. E tem a figura esdrúxula do município como ente federativo.

6 - Dessa vez quem virou a idéia econômica da ditadura de ponta-cabeça não fui eu. Com a política econômica da última década - dos juros altos às privatizações à estrutura tributária a leis específicas, a reserva de mercado (uma péssima idéia) foi substituída por um sistema em que a protegida e privilegiada é a multinacional, ou a exportadora de produtos primários, em detrimento da empresa nacional e tecnológica.


PS Com a saúva, o Brasil acabou. Graças ao estado (encarnado na Embrapa, que tropicalizou a soja e industrializou o zebu) e aos socialistas (o MST, que fez os latifundiários investir em suas fazendas ou vendê-as), o Brasil deixou de ser exportador de produtos tropicais para se tornar (tudo bem, graças também à quebra da indústria) agroexportador. A saúde carece de todos os problemas listados acima.

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