Pesquisar este blog

15.12.06

Breves de novo

POET

O eucalipto, árvore australiana, virou darling da indústria de papel, que chama sua monocultura de "reflorestamento." Até aí, tudo bem, incluindo os efeitos daninhos de monoculturas para exportação, blá blá blá. Mas e quando se planta e protege o estrupício sem nem ganhar dinheiro com isso?




Democracia de Westminster


A Grã-Bretanha, na revolução gloriosa, chamou um exército estrangeiro pra deixar bem claro aos governantes o que lhes aconteceria se saíssem da linha. Antes o tacão de botas estrangeiras que o do tirano. Por conta disso, o nome "democracia Westminster" passou a designar, muitas vezes incorretamente, democracias em que o parlamento é o centro de decisões executivas. Agora, Tony Blair dá outro significado ao termo. (A defesa dos humanos direitos é impagável.)




Quanto custa ou é por quilo?


Não lembro direito se em Mad Max água doce vira moeda, ou se é em Waterworld. Agora você também pode brincar de Mel Gibson/Kevin Costner, sabendo quanto custa em água pra fazer diversos produtos. (O anexo com os custos fica no final do documento.)

13.12.06

Breves

Tortura nunca mais

Como eu já escrevi aqui, não creio que exista outro nome para o "Regime Diferenciado" paulista senão tortura. 22 horas por dia na solitária é uma afronta a qualquer noção de direito humano possível, equivalente para os chefes da hiperlotação sufocante que a arraia-miúda sofre. Agora descobrimos que pelo visto as coisas são piores ainda, e que em Presidente Bernardes e companhia os presos também morrem sufocados. Dá quase pra me arrepender de ter sacaneado a advogada do Fernandinho Beira-Mar, que dizia que ele era tratado "como um prisioneiro." É isso que ela queria dizer.




Raposa feliz

O novo secretário do meio ambiente (e dos recursos hídricos, menos a SABESP) de São Paulo é o Xico Graziano. Acho que só porque não tem secretaria de reforma agrária. E o Afif ("Estaremos todos na linha de frente na defesa da sociedade, do cidadão-contribuinte, do consumidor") na secretaria do Trabalho.




Obrigado ao povo da Bolívia

O novo presidente do comitê do congresso para inteligência americano deve aprender sobre inteligência em filmes de ação, ou (pior ainda) na Fox News. Porque ele acha que a Al-Qaida é xiíta. Digo, até um leitor médio das decadentes imprensas brasileira e americana já se cansou de ter a explicação enfiada goela abaixo, desde o 11 de Setembro, de que apesar da demonização dos xíitas anterior, a Al-Qaida e a Talibã são sunitas.

22.11.06

Fome zero é isso aí

Os EUA sempre se destacaram, entre os países desenvolvidos, por ter a maior proporção da população passando fome. Onze milhões de americanos passavam fome em 2005 (eram oito milhões em 2001), quase um terço dos 35 milhões de americanos abaixo da linha da pobreza e sofrendo de "insegurança alimentar."

Bem, isso acabou. De agora em diante, o Ministério da Agricultura vai dizer que essas mesmas pessoas têm "grau muito baixo de segurança alimentar." A nomenclatura anterior, em vigor há tempos, era "insegurança alimentar e fome."

21.11.06

Do verde ao verde ao verde

A visão comum sobre os organismos geneticamente modificados é mais ou menos simpática dependendo de aonde você vá, mas num mundo que idolatra os orgânicos é difícil negar que a visão do futuro mudou, em relação aos anos 50. Naquela época a Revolução Verde, com organismos ainda modificados usando técnicas "arcaicas" de manipulação genética (isto é, cruzamentos), era vista como um grande e utópico movimento, uma realização pela tecnologia dos sonhos da humanidade. Deu em várias merdas homéricas, claro, como sói acontecer com utopias. Os ecossistemas antrópicos tradicionais têm desaparecido, graças a ela, mais rápido do que a maioria dos ambientes naturais, com riscos de doenças agrícolas e certezas de aumento da dependência econômica, desigualdade e uso de agrotóxicos. Bem, nesta segunda frase talvez já se veja a transformação pela qual a nova Revolução Verde, de hoje em dia, já deixou de ser de cientistas utópicos pra ser de corporações bastante pragmáticas. Novos organismos deixaram de se preocupar em acabar com a fome para significar aumento na geração de divisas, ou qualquer que seja o termo elegante da vez para encher o rabo de grana. E, como tal, ao contrário da radicalização e transformação nos hábitos proposta pela primeira Revolução Verde (que fez os indianos passarem a comer trigo ao invés de lentilha), se preocupa em não fazer nada que não seja reconhecível e fácil de vender. Hoje em dia, o efeito colateral bunda da primeira revolução verde, o aumento do uso de pesticidas, virou a própria raison d'etre de produtos como o grão de soja "Pronto pro Pesticida" da Monsanto.

Por isso, não deixa de ser interessante a volta às origens do trabalho realizado agora, que visa fazer com que algodão seja comestível, pelo visto com sucesso. Veja bem, algodão é venenoso - pra gente e pra maioria dos animais que comemos. Se cultivássemos algodão comestível, a produção mundial de alimentos, especialmente de proteína, aumentaria muito, sem que um acre de terra ou quintal de água a mais tivesse que ser gasto. De deixar o Norman Borlaug orgulhoso

17.11.06

Mike Tyson tá p... da vida

Literalmente. Com carteira assinada. O Grande Canibal Americano foi contratado pela Heidi Fleiss, aquela cafetina do escândalo tão grande, em Hollywood, que virou filme (não de Hollywood).

Perguntas relevantes:

1) O preço é dividido em pra entrar e pra sair?

2) "Recomenda-se às clientes que usem protetor auricular"?

3) Você pagaria para ir pra cama com um canibal com problemas de autocontrole e suspeita de estupro?

Façam a sua piadinha! É melhor do que a morte do Senna.

14.11.06

Angband

Uma das grandes idéias brilhantes partilhadas por neo-desenvolvimentistas e neoliberais brasileiros é a anulação da idéia* de que trustes são uma coisa ruim. Assim, os neoliberais tucanos forçaram a barra para que a AmBev fosse criada, e o Lessa propôs textualmente o apoio público à consolidação e "cooperação" no mercado brasileiro, para formar kereitsus e chaebols**. Pois bem, a AmBev, que seria a Grande Multinacional Brasileira, agora é o braço sul-americano da Interbrew belga, fazendo do Lemann um dos homens mais ricos da Suíça. E do mesmo modo é na Suíça, através de vários níveis de anti-transparência e evasão fiscal,*** que os altos executivos da Vale do Rio Doce querem centrar os negócios de minerais não-ferrosos da empresa, tanto os internacionais (adquiridos com a Inco) quanto os nacionais, preexistentes. A estrutura proposta tira poder do conselho de acionistas (o governo, via BNDES e fundos de pensão, ainda poderia ser o acionista controlador, se quisesse, agora que o Steinbruch saiu) e entrega na mão dos executivos. Vamos lá: o "orgulho do Brasil," além de estar ameaçando o governo brasileiro tanto com a opção de saída quanto com processos internacionais, está se mudando parcialmente pra Suíça, numa manobra expressamente calculada para diminuir sua sujeição ao Estado brasileiro (e aos acionistas controladores em geral). E vai continuar a receber babações de ovo de políticos e jornalistas.

Cabe dizer aqui, só pra que ninguém me confunda, que eu não defendo a reestatização da Vale. Cronologicamente, minha opinião sobre cada momento da vida da empresa:

1: Não devia ter sido criada. Empresas estatais para serviços públicos, OK. Empresas estatais para setores básicos, estruturantes, da economia, além da capacidade de investimento do setor privado, ótimo. Mas uma mega-empresa estatal que funciona como operação de exportação auto-contida, nos mesmos moldes das grandes empresas primárias dos EUA-Europa, aí incluídas a influência indevida sobre o governo e o atropelo das comunidades locais? Eu hein.

2: Na privatização, devia ter sido quebrada em pedacinhos. Qualquer pessoa com um mínimo de cérebro poderia prever os problemas relacionados à privatização do maior complexo mineiro e melhor rede logística do país em um bloco só. Começando com a falta de capital privado disponível para comprá-la, o que fez com que fosse comprada com dinheiro público, e passando pela posição de força da CVRD contra outras mineradoras, suas concorrentes e clientes de suas estradas e portos. Não custa lembrar: o porto de Santos, maior porto público do país, é só o terceiro porto em tonelagem, se você incluir na lista os terminais da Vale em São Luís e Vitória. E a vale, especialmente quando seu controlador ainda era o Steinbruch, detinha as vias de escoamento de minério das Gerais.

3: É óbvio que houve maracutaia na privatização. Steinbruch, Armínio Fraga, e provavelmente o Eliezer Batista, talvez devam fazer companhia ao Marcola. Mas se isso for provado, não quer dizer necessariamente que devamos reestatizar a empresa. Inclusive porque imagino que alguém devesse ser idenizado por isso, até porque esses três não são mais acionistas da CVRD, nem o é o grupo Soros.

4: Depois de privatizar a Vale num bloco só, o governo não fez nada para impedir que ela passasse de maior mineradora a quase-monopolista. Pelo contrário, até ajudou. No máximo a SDE manda umas compensações meia-bomba. Qualquer ação antitruste decente pelo menos mandaria cindir o negócio de logística do de mineração, se não fragmentar mais ainda a empresa. Ao contrário, a Vale pôde, sem ser incomodada, pressionar e adquirir suas concorrentes. Assim, o prédio da Caemi em Botafogo agora é o "centro empresarial botafogo," e a Samarco, segunda maior empresa de Minas, não existe mais. Nem a MBR, detentora de um quinto do capital da outra via férrea de Minas, que não era da Vale. A ferrovia Centro-Atlântica também foi pro papo. Resultado: a empresa estatal que tinha concorrentes virou uma empresa privada praticamente monopolista.

5: Mesmo sem ação antitruste, mesmo sem revisão da privatização, cabe lembrar que o governo poderia, se quisesse, influenciar a empresa. Os fundos de pensão estatais mais o BNDES detém mais de 50% das ações da Valepar, que por sua vez controla a Vale (o BNDES também tem uns 10% das ações da própria Vale). Não o faz para não ameaçar os rendimentos dos fundos de pensão, e porque a ideologia do "crescimento," a qualquer custo e como se fosse um dado simples, está firmemente associada à mineradora, que conseguiu vender a imagem de orgulho nacional a tal ponto que o CEO é cotado pra ministro da Fazenda. Imagine se a Vale, como a Petrobras, estivesse aproveitando o aumento nos preços de seu produto pra conseguir ao mesmo tempo lucrar horrores e incentivar a indústria nacional? Poderia fazer na indústria ferroviária uma renovação similar à que a Petrobrás fomentou entre os estaleiros (esta também poderia ser potencializada pela Vale, que é um dos maiores armadores do Brasil). Imagine, aliás, se a Vale pagasse impostos "como deve," ao invés de se valer de todo artifício legal disponível. Ou se tivesse um orçamento cultural digno de nota? Ou se tivesse uma cooperação real, ao invés de uns trocados pra calar a boca, com as comunidades vizinhas? Pô, até a dívida externa total brasileira, que inclui a das empresas privadas, mudou com esse empréstimo de 18bn pra comprar a Inco à vista.


* de socialistas como Teddy Roosevelt.
** são duas figuras administrativas-proprietárias diferentes, mas ele queria dizer grandes trustes e fazer a associação com crescimento acelerado.
*** perdão, "planejamento tributário."

13.11.06

It's the economy, stupid

Numa prova de que o discurso do meio ambiente definitivamente deixou de ter mão política (ou melhor, de que agora pode ser calçado em qualquer mão, já que a forma que esse discurso toma em cada uma é bem diferente), Dominique de Villepin, pra quem poderia-se repetir, na sua disputa contra Sarkozy pela candidatura de direita à presidência, o mote anti-Le Pen "votez menteur, pas facho," pro^põe uma taxa de carbono sobre as importações européias.

8.11.06

São Paulo não pode parar

No geral, eu não tenho do que reclamar de São Paulo de Piratininga. A oferta de livrarias não é tão boa quanto a da Mui Leal e Honrada, mas fora isso é até mais meu tipo de cidade. Mas putj, fazem falta as áreas verdes, que aqui, principalmente fora do centro velho*, são escassas.

Não que São Paulo tenha pouco verde. Pelo contrário, dependendo do bairro tem mais árvores em suas ruas e avenidas (e nas beiradas das incontáveis vias expressas) do que a maioria das cidades que já conheci. Menos do que o Rio, mas estão mais bem cuidadas.

Só que área verde não é um termo muito bem escolhido. Uma área verde não tem nada a ver com vegetação, pode ser uma praça inteiramente pavimentada e nua; o verdadeiro significado de área verde é um lugar de descanso, um lugar subtraído ao "uso" habitual, onde há bancos e um pouquinho de calma, onde os fluxos da cidade podem se acumular um pouquinho e perder velocidade. Acho que por aqui devem achar a noção de parar, de ficar sem propósito e objetivo, uma blasfêmia (banco de rua, em geral só os dos pontos de táxi).


*Como a minúscula cidade colonial foi completamente arrasada no começo do século XX, e até do Império sobrou bem pouco, "antigo" ou "histórico" ´seria forçar a barra.

7.11.06

Ovos de páscoa à Genefke

Ovos de páscoa é como os programadores chamam pedaços de código inscritos num programa que ficam escondidos, como ovinhos de páscoa procurados por crianças, até que soltam uma surpresa divertidinha. Achá-los é um prazer em si, e o seu interesse é menos função de alguma qualidade intrínseca do que de sua condição. A expressão "fan service" (assim, em inglês mesmo) denota algo parecido (parecido não quer dizer "mais ou menos o mesmo,´" só parecido), que é quando desenhos animados e revistinhas japoneses inserem detalhes (muitas vezes microscópicos) que serão reconhecidos pelos fãs, colecionados num prazer não completamente distinto do que move um colecionador de selos. Claro que esse prazer está longe de se restringir às categorias de nerds acima mencionadas - os filmes de Tarantino são um imenso fan service do começo ao fi- tá, mau exemplo de não-nerd.

"A vida secreta das palavras," filme que encerrou a Mostra São Paulo no cine-sesc, tem ovos de páscoa o bastante pra afogar um gordo, pelo menos pra mim. Se você quer assistir e não gosta que lhe contem a história antes, é melhor parar por aqui. O filme é um panfleto, e não deixa de ser óbvio em momento algum, como fica claro desde as cenas iniciais, em que só falta que alguém bata na cabeça do espectador dizendo "ELA É SURDA, PÔ," já que somos agraciados com um plano dos protetores auriculares sendo pegos na fábrica, menos o da protagonista, com ela trabalhando sem falar ao contrário das outras operárias, etc etc etc. Aliás, é um panfleto de alguém que, como eu, não consegue se ater ao tema principal, já que se aventura pela devastação ecológica causada pela indústria do petróleo, pela malaise pós-industrial, pela denúncia dos estereótipos quanto a homossexuais... mas o importante poderia ser resumido na frase de Hitler que é mencionada pela conselheira do IRCT: "Trinta anos depois, quem se recorda dos armênios"? A protagonista é sobrevivente de um horror que, mais que esquecido, já é até denunciado como "inventado" por gente que, horrorizada com a invasão do Iraque e afeita a generalismos, enfia a Bósnia no mesmo saco. (Não que, por sua vez, defenda a intervenção - como fica claro durante a cena das cicatrizes, em que os soldados da ONU-OTAN também são denunciados...)

Ah sim - o filme também é prova ao mesmo tempo de que se pode e não pode julgar uma obra pela capa, ou no caso pelo título. Entrei só por conta do mesmo - e se não me arrependi nem um pouco, por outro lado não tem nada a ver com palavras...

3.11.06

Halloween

A véspera de Todos os Santos foi, pelo visto, comemorada em grande estilo mundo afora. A Economist, em sua edição européia, nos deu uma capa de Halloween, coisa tradicional entre as revistas anglo-saxãs de literatura e hobbies, mas menos comum entre as noticiosas:



Já o governo americano resolveu usar uma fantasia de Halloween bem retrô-atualizada, chiquérrima, com o medo de um holocausto nuclear à fifties, mas incorporando elementos modernos como terroristas muçulmanos e a internet.



Last March, the federal government set up a Web site to make public a vast archive of Iraqi documents captured during the war. The Bush administration did so under pressure from Congressional Republicans who had said they hoped to "leverage the Internet" to find new evidence of the prewar dangers posed by Saddam Hussein.

But in recent weeks, the site has posted some documents that weapons experts say are a danger themselves: detailed accounts of Iraq's secret nuclear research before the 1991 Persian Gulf war. The documents, the experts say, constitute a basic guide to building an atom bomb.



E na França, Mussolini pegou as palavras anódinas sobre justiça social de Tony Blair (e do Imperador Palpatine) e transformou seu significado em algo mais temático.

« Je suis pour l'ordre juste », a déclaré vendredi Nicolas Sarkozy aux chauffeurs de bus de Villepinte, en Seine-Saint-Denis. « Il n'y a pas de justice possible sans ordre », a-t-il précisé. Evoquant l'incendie d'un bus à Marseille lors duquel une jeune fille a été grièvement brûlée samedi dernier, il a dénoncé "le sentiment d'impunité" dont jouissent certains mineurs et promis que tous les auteurs d'agressions seront sévèrement punis. Il s'est enfin engagé à "mettre le paquet" pour sécuriser les lignes de bus dans les zones sensibles

31.10.06

E minhas cailles en sarcophage?

O General Gallifet está vivo e bem no México. A diferença é que os meios de comunicação julistas de hoje em dia são um pouco menos sanguíneos quanto ao que seus agentes fazem. Assim é que boa parte da mídia de grande porte, principalmente a anglo-saxã e seus satélites, explica que as tropas federais foram a Oaxaca "em resposta à violência" - quando foram justamente essas tropas, e seus aliados locais, que cometeram a dita violência.

A situação toda é mais interessante quando você pensa no jeito como a mesma mídia tem persistentemente apresentado como quixotesca e inconsequente a recusa de Obrador - um político velho e experiente - a reconhecer a legitimidade da eleição do candidato do PAN. (Só pra lembrar, PAN = PFL, PP, PP espanhol, essas ARENAs da vida.)

E de volta ao sítio da Comuna original, o Le Monde tem um especial "um ano depois."

26.10.06

Olha mãe, com as mãos!


Saiu o "mapa da ideologia do Congresso," numa coluna do Valor. Não pitacado, mas baseado nas votações dos partidos em temas identificados com as mãos ideológicas.

Confesso que o resto achei óbvio, mas nem eu imaginaria que o PSDB é o mais direitoso de todos.

24.10.06

Ma Dalton

Cometa um crime inafiançável e ganhe uma medalha. A velhinha que não foi presa por porte ilegal de arma, como deveria, foi ainda assim chamada pelos poderes constituídos à sua presença. Pra ganhar uma medalha, obviamente, já que a pessoa em quem ela atirou era uma pessoa sem bem. Afinal, como a senhorinha pistoleira diz, "se não tem albergue ou não quer ficar no albergue, então fica no meio do mar. Bota num navio e descarrega longe. Na minha calçada, na minha rua é que não vai ficar."

Gênio! A solução para os problemas do Brasil é ressuscitar, invertendo a mão, o navio negreiro. A essa altura, tô até duvidando que o assalto tenha mesmo ocorrido. Uma pessoa com essas opiniões e que anda armada pode muito bem ter reagido a um pedido de esmola.

21.10.06

Perguntar não ofende

Lula vai tomar os resultados da eleição como evidência de que

a) Só foi reeleito no segundo turno, isso é "abre o olho, cumpádi." O povo acha que ele está mais ou menos no caminho certo, mas que não pode marcar tanta bobeira, inclusive no campo ético?

ou

b) Como acontece com Tony Blair no Reino Unido, a oposição é tão intragável que não importa o que ele faça, sempre será preferível à alternativa?


-------------------


A hidreletricidade é defendida como "mais barata." Mas com perda de 50% na transmissão entre o Rio Madeira e São Paulo, a gente gasta o dobro do preço de uma usina nuclear, eólica ou a gás nos complexos hidrelétricos da Amazônia. Fora detonar ecossistemas e comunidades indígenas. Por que diabos então o governo continua pensando nisso? Aliás, por que a resistência tão grande, mesmo com o barril de petróleo acima de 50, à energia eólica, que já entrou no mainstream em vários países?

20.10.06

Filme B

Em filmes da década de 50, era comum que a "radiação" criasse monstros como formigas de 200 metros de comprimento e Raquéis Welch de 15 metros de altura. A realidade é ainda mais estranha, se menos telegênica - com vocês, as incríveis bactérias nucleares.

A matéria não é inteiramente verdadeira, ou pelo menos não sem um uso bastante peculiar das palavras. Isso porque a fonte de energia que alimenta os ecossistemas em torno de vulcões submarinos também não é o sol, mas a energia térmica que sai desses vulcões, às vezes a literalmente quilômetros da superfície e do fitoplâncton. Mas a vida nesses fumacês em meio ao breu interage constantemente com a neve de cadáveres de organismos mais acima, então realmente pode não ser considerada "independente do sol."

18.10.06

Nem o Jimi Hendrix salva agora

...o hino americano de virar piada.


The Act changes pre-existing law to explicitly disallow the invocation of the Geneva Conventions when executing the writ of habeas corpus or in other civil actions [Act sec. 5(a)]. This provision applies to all cases pending at the time the Act is enacted, as well as to all such future cases.

If the government chooses to bring a prosecution against the detainee, a military commission is convened for this purpose. The following rules are some of those established for trying alien unlawful enemy combatants.

Certain sections of the Uniform Code of Military Justice are deemed inapplicable - including some relating to a speedy trial [10 U.S.C. sec. 948b(d)(1)(A)], compulsory self-incrimination [10 U.S.C. sec. 948b(d)(1)(B)], and pre-trial investigation [10 U.S.C. sec. 948b(d)(1)(C)].
A civilian defense attorney may not be used unless the attorney has clearance to view materials classified Secret. [10 U.S.C. sec. 949c(b)(3)(D)]
Based on his findings, the judge may introduce hearsay evidence [10 U.S.C. sec. 949a(b)(2)(E)(i)], evidence obtained without a search warrant [10 U.S.C. sec. 949a(b)(2)(B)], evidence obtained when the degree of coercion is disputed [10 U.S.C. sec. 948r(d)], or classified evidence not made available to the defense [10 U.S.C. sec. 949d(f)(2)(B)].
A finding of Guilty by a particular commission requires only a two-thirds majority of the members of the commission present at the time the vote is taken [10 U.S.C. sec. 949m(a)]
No defendant may invoke the Geneva Conventions in legal proceedings on the defendant's behalf. [Act sec. 5(a)]
The President determines “the meaning and application” of the Geneva Conventions banning the torture of prisoners. [Act sec. 6(a)(3)(A)]
The accused may be tried for the same offense a second time “with his consent” [10 U.S.C. sec. 949h(a)].
If the military commission returns a finding of Not Guilty, its convening authority is not required to take action on the findings. [10 U.S.C. sec. 950b(c)(3)]

14.10.06

Lugares estranhos do mundo VI

Os lugares estranhos de um a cinco foram, em geral, lugares que escaparam do mundo. John Cluster, um crítico literário inglês, chama um conceito parecido, quando o autor não é Deus, de "pôlder." Frestas na casa do tempo, que escaparam ao diligente espanador de Frau Zeitgeist.

O porto de Gioia Tauro não é nada disso. Aliás, é o contrário. É estranho justamente por encarnar, quase de maneira pura, o tal do espírito do tempo da globalização, é um lugar tão cinza que o cinza se torna uma nova e exótica cor vinda do espaço. Bem, nem tão cinza assim, já que os contêineres coloridos se acumulam tendo como pano de fundo a paisagem de vinícolas e olivais de um dos poucos cantos menos áridos do extremo sul italiano.

Gioia Tauro era uma província rural atrasada quando os tecnocratas do governo central, nos tempos áureos do Grande Planejamento, que na Europa coincidiram com uma tentativa geral de descentralização econômica forçada, decidiram que lá seria construído o V Pólo Siderúrgico. Como hoje em dia os grandes pólos siderúrgicos usam minério importado por mar, a primeira providência tomada foi a escavação, ex nihilo, de um porto enorme no meio da costa. Faz sentido econômico - é muito mais caro do que usar um porto natural, mas depois se gasta menos com dragagem. O problema é que também foi muito mais caro do que o estado italiano podia gastar; depois de pronto o porto, não dava pra fazer a siderúrgica. Muito menos a preços competitivos, e o consumo de aço italiano tinha parado de subir rápido o bastante; uma siderúrgica não competitiva pra exportar aço era burrice demais até pra um Grande Projeto.

Depois de algum tempo matutando o que fazer com o mega-elefante branco, a reorganização do tráfego de cargas deu uma idéia. A noção de "hub-and-spoke," que já é usada desde a segunda guerra pelas companhias aéreas, prevê que a carga (ou passageiro) seja levado até grandes eixos de distribuição, e ali trocada para veículos menores que a levassem até seu destino final. Assim, Atlanta e não Nova Iorque ou Los Angeles é o maior aeroporto americano. Gioia Tauro, com seu calado feito para abrigar navios de minério, sobrava até para os maiores navios de contêineres, e virou rapidamente um "hub" mediterrâneo. Ajudou o fato de que não havia cidade atrás pra impedir a expansão do porto.

O bizarro é que esse enclave da globalização quase em estado puro deixou bem evidente a segregação que é característica da nova globalização, econômica no uso de seres humanos, ao contrário da anterior, que mal ou bem penetrava e alterava o seu entorno. A comuna de Gioia Tauro, ao lado do maior porto do sul da Europa, continua sendo uma comuna agrícola. O porto iluminado vinte e quatro horas, com guindastes do tamanho de arranha-céus, dá lugar quase que imediatamente ao ambiente do Mezzogiorno profundo. É quase a imagem de ficção científica dos colonistas do espaço convivendo em cidades sob domos com selvagens pós-apocalípticos, só que mais estranho ainda - os poucos trabalhadores da cidade das máquinas podem viver em meio aos medievos que lhes circundam.

11.10.06

Em Chico e em Francisco

O economista Edmund Phelps, que ganhou o prêmio tipo-Nobel de economia deste ano, foi saudado por muitos jornais como o terror dos keynesianos, que diz que a idéia de expansão da economia "turbo" destes é furada.

Menos noticiado foi que ele também reserva um porretinho pros neoliberais, desconstruindo o mantra de que redução de impostos e contribuições leva ao crescimento econômico.

No Valor :


Os defensores da economia do lado da oferta tiraram as conclusões temerárias de que um corte permanente nas alíquotas dos impostos que incidem sobre o trabalho incentivariam mais produto do trabalho permanentemente, sem nenhuma diminuição da eficácia. Larry Summers e eu duvidamos que essa afirmação pudesse ser geralmente verdadeira. Se cada aumento na taxa de salário líquido [após a dedução do imposto] conferisse um estímulo permanente à quantidade de trabalho ofertada, ponderamos, salários líquidos em altas crescentes a partir de meados do século XIX teriam produzido um aumento extraordinário no número total de horas de trabalho semanais e nas idades de aposentadoria. Ambas registraram queda, porém, e na Europa continental o nível de desemprego é maior.

Em minha opinião, este dogma central da economia do lado da oferta está calcado sobre um erro crasso simples. O que interessa para a quantidade de trabalho ofertado é a taxa de salário líquido relativa à renda proveniente das fortunas. Se por um lado as taxas salariais líquidas dispararam por mais de um século, por outro, as fortunas e os rendimentos que gerava cresciam à mesma velocidade.

Certamente, se as alíquotas dos impostos fossem reduzidas permanentemente neste ano, haveria inicialmente um efeito fortemente positivo sobre o trabalho ofertado. Mas também haveria um efeito positivo sobre a poupança e, portanto, sobre as fortunas no próximo ano e depois. No longo prazo, as fortunas tenderiam a subir na mesma proporção dos salários líquidos. O efeito sobre o trabalho desapareceria.

Precisamos avançar com cautela, contudo. Em análises padronizadas, o corte nos impostos provoca uma redução nas compras governamentais de bens e serviços, como gastos com defesa. Mas um corte de impostos poderia, por sua vez, fazer encolher o Estado do bem-estar social - a assistência social e a seguridade social, que constituem a riqueza social. Neste caso, o corte de imposto, ainda que aumente gradualmente a riqueza privada, poderá reduzir a riqueza social. O tema é de natureza empírica.

Pesquisas que realizei com Gylfi Zoega há uma década confirmaram que cortes em impostos que incidem sobre o trabalho elevam a taxa de emprego no curto prazo. Mas e o longo prazo? Os vastos efeitos de longo prazo das alíquotas de imposto ficam realmente evidentes nas diferenças internacionais existentes na taxa de emprego?

Em 1998 examinamos dados da OCDE para [estabelecer] uma correlação entre as taxas de desemprego nacionais em meados da década de 90 e as alíquotas de imposto atuais sobre o trabalho. Não encontramos nenhuma. Em 2004, verificamos as taxas de participação na força de trabalho e, mais uma vez, verificamos a taxa de desemprego. Ainda sem nenhuma correlação.

Países com altas taxas de desemprego incluíam países com altos impostos, como Alemanha, França e Itália, mas também Japão e Espanha, que têm impostos mais baixos. Países com baixos níveis de desemprego incluíam aqueles com baixos impostos, como Reino Unido e os EUA, mas também países com impostos extremamente elevados, como Dinamarca e Suécia.
Os neoliberais estão agora dizendo à Europa continental que cortes dos impostos que incidem sobre o trabalho podem dissolver as altas taxas de desemprego. Mas a eficácia destes cortes de impostos seria grandemente, se não completamente, transitória - especialmente se o Estado de bem-estar social fosse poupado. Em duas décadas, as altas taxas de desemprego voltariam sorrateiramente.

9.10.06

Resmungando

A coleção de culinária da Folha tem uma relação (em volume ou peso mesmo) capa/folhas que eu juro que só tinha visto antes em livro pra crianças que estão aprendendo a ler. É mais capa do que página. Vai ver eles acham que a idade mental do seu público tá lá pelos cinco anos.


****************

Quando me mudei pra SP, precisava subir a rua Augusta, do lado dos Jardins, todo dia. Então, às vésperas da eleição pra governador, a rua estava sendo recalçada em dois turnos de trabalho, inclusive aos sábados. Os operários dormiam na rua mesmo, ou dentro das caçambas dos buldôzers (aliás, que merda eu não ter câmera). Achava, portanto, quando me dirigi pra lá anteontem, que ia encontrar uma rua toda calçada. Ledo engano, não avançou nada. Também não tinha ninguém trabalhando, à tarde. Me lembrou a recauchutagem das ruas do Rio há dois anos atrás.

*****************

Não assisti o debate. Não sei se perdi muito. Mas pelo que eu entendi, o Alckmin continua fingindo que o seu programa (privatização, reforma trabalhista e previdenciária radical, terceirização, OSCIPs, etc) não existe. Pode-se não gostar do Bush, mas pelo menos ele dizia o que queria fazer. O fato da direita não ousar dizer seu nome leva a crer que, à parte o autoritarismo, o Brasil de direita é besteira. (Quase daria pra entrar na furada classificação bidimensional do libertarian party, se não fosse que ela faz água em diversos temas, do meio ambiente à liberdade de imprensa à própria condução econômica.)

****************************

Os EUA oficializaram a tortura, e ninguém parece tão chocado assim com isso. É impressionante como o sapo não reclama da fervura.

8.10.06

Menos pior

E se existisse um candidato que não fosse a melhor escolha possível, mas um a se votar com gosto, como seriam as suas promessas de campanha? Eu sei as minhas:

1 - Prioridade zero - as dívidas "pessoais" do Estado brasileiro. Índios, quilombolas e prisioneiros. Contra os dois primeiros, o Brasil é culpado de crimes contra a humanidade; sobre os últimos, ele tem responsabilidade direta. Pode incluir no balaio a questão dos direitos humanos como um todo. É o essencial, o básico. Todos os outros direitos, sociais ou não, são secundários diante disso.

2 - Prioridade um - Meio ambiente. Parece esquisito dizer isso, com tanta gente passando fome, com a média de educação sendo de uns seis anos. Mas...usando como exemplo uma agressão a um meio ambiente nada natural, o Passeio Público do Rio de Janeiro, parque mais antigo do Brasil. Décadas de abandono não tiveram nenhum efeito negativo irreversível ao parque, mas uma "restauração" levada a cabo pelo César Maia recentemente removeu metade das árvores. Noves fora a concepção antiquada de restauração, que buscava retornar o parque ao "original," ser particularmente estúpida quando aplicada ao Passeio Público, cujo "original" de Glaziou já é uma reforma, e que costumava ficar defronte ao mar, não separado deste por umas doze pistas de tráfego e um parque, o que fica disso é que a devastação foi irreversível. Não se recria, no tempo de uma vida humana, um parque como o Passeio Público costumava ser. E a devastação ambiental brasileira está, do mesmo modo, detonando recursos irrecuperáveis, muito rápido. A área de origem da mandioca tá sendo detonada tão rápido que se perdem umas dez variedades e duas espécies da bicha todo ano. Daqui a pouco, bastante da Amazônia pode ter sido destruído pra que o resto vá embora sozinho. O clima do centro-sul brasileiro já está ficando mais seco, afetando diretamente a disponibilidade de energia elétrica. Etc etc etc.

3 - Reforma tributária. Só que não essa que clamam por aí. Por mim, a carga tributária tá boa. Eu instituiria maior progressividade no IR, a ser contrabalançada por diminuição nos impostos indiretos. E IRs estaduais e municipais. Ah sim, a CIDE também subia. Em compensação, todos os outros impostos indiretos federais iriam pelo ralo. O ITR ia pros estados.

4 - Distorção do incentivo à produção pelo BNDES. Parar de financiar qualquer investimento, e direcionar esses investimentos pra criar e manter indústrias que sejam boas pro país. Exemplo - ao invés de financiar qualquer ônibus, só dar dinheiro pra quem quisesse comprar um diesel-elétrico. (Subir pra Selic os empréstimos em outros setores.)

4.10.06

Apostas

- Aposto 100 contos que o Alckmin "regionaliza" os portos e privatiza (à FHC) a Eletrobrás. Isso porque o apoio de Serra e Aécio depende do fim da reeleição. Como ele vai renegar essa promessa, um cala-boca eficaz é entregar Furnas pro Aécio e o porto de Santos pro Serra (via governo de SP).

- Aposto 100 contos que a Veja não vai dar destaque à inocência do Freud Godoy. Tá, 500.

- Aposto 100 contos que Alckmin, eleito, tenta privatizar a Petrobrás, também.

- Outros 100 contos que alguém no novo congresso, com apoio da presidência, vai sugerir plebiscito pela volta da pena de morte. Pode ser o Enéas, o Maluf ou o Clodovil.

- E mais cem que, no agora improvável evento do Lula se reeleger, a Martha Suplicy é candidata à sucessão. E ganha.

2.10.06

A grande festa da democracia

Foi eleito governador de São Paulo um sujeito que, como prefeito, substituiu um projeto de moradia social por um de incentivo a shopping centers. Não dá pra dizer que é liberal, porque é a mesma violação da propriedade privada, via desapropriação. Só mudou o alvo, afinal pobre "copula muito" e "não movimenta a economia." (Palavras do secretário de habitação Serra/Kassab)

Foi pro segundo turno nacional um sujeito cuja polícia civil, que tanto tenta provar que o PT matou Celso Daniel, passou um atestado de honestidade pra Daslú, uma semana antes de a PF passar por lá e descobrir que a loja declarava valor de 300R$ pra Jaguar importado. Por coincidência, a filha do dito-cujo ganhava 18.000 por mês pra fazer nada, como dasluzete. Também vem a ser o chefe do Saulo de Castro, que superou em muito o Coronel Ubiratan ao matar parentes inocentes de gente que se alegava ser relacionada ao PCC.

A vaga fluminense ao Senado escapou da Jandira Feghali pra cair no Dornelles. O Collor é senador. Com o apoio do PV, o maior desmatador do mundo foi reeleito no primeiro turno. Os deputados federais do PT não diminuiram em número, mas a bancada razoável do PT perdeu força pra turma do Palófi (incluindo o próprio). No Rio, o fascismo e a cleptocracia vão estar em disputa. Foi pro segundo turno no Rio Grande uma mulher cujo vice já declarou que educação pública devia parar na quarta série primária (a partir daí, o estado daria umas poucas bolsas para estudar em escolas particulares a quem tivesse "mérito." Aos dez anos de idade.)

Clodovil, Maluf, Pudim, Enéas, Russomano...

Pra comemorar a grande festa da democracia, acho que vou de cachaça, pura, temperatura ambiente. Umas três garrafas.

30.9.06

Só pra confirmar

Volta e meia, um representante de entidades empresariais ou político de "não-direita" (PSDB-PFL-ETC, incluindo o Palófi) fala de como foi um erro deixar em ponto morto a ALCA, que deveríamos abandonar essas idéias esquerdistas de diplomacia Sul-Sul e nos espelhar no exemplo mexicano, da experiência bem sucedida deles com o NAFTA.

Só pra esclarecer, o exemplo é esse aqui?

(Original aqui)


El tratado de libre comercio entre Estados Unidos, México y Canadá ha tenido un "impacto adverso" en la distribución del ingreso, la riqueza y el poder político, según un estudio difundido ayer.

El acuerdo conocido como TLCan o Nafta, entró en vigencia en 1994 con la promesa de generar buenos empleos y rápido crecimiento para sus socios.

Pero en el estudio, tres economistas independientes de México, Estados Unidos y Canadá dicen que ha promovido más bien una economía integrada "con reglas impuestas por y para el beneficio de la elite política y económica".

El estudio, difundido por el Instituto de Política Económica (EPI), un grupo independiente de investigación de tendencias económicas en Washington, detalla los efectos del tratado en las economías, los trabajadores y mercados laborales de las tres naciones y propone abrir debate sobre su propio futuro.

"Las reglas del Nafta protegen los intereses de los grandes grupos de inversionistas y socavan los derechos de los trabajadores", afirma Jeff Faux, economista de EPI en la introducción de la investigación.

Carlos Salas, profesor de El Colegio de Tlaxcala, a cargo del capítulo de México en el estudio de EPI, sostiene que el Nafta ha convertido "el empleo en más precario y ha reducido los salarios" en ese país.

"Los ingresos corporativos han crecido mientras la desigualdad en la distribución del ingreso se ha mantenido volátil", agrega Salas, quien sostiene que, de las nuevas plazas asalariadas en México entre el segundo trimestre del 2000 y el segundo trimestre del 2004, sólo el 37% tiene beneficios totales y el 23% no tiene beneficio alguno.

El Nafta ha incrementado el empleo en la industria maquiladora mexicana donde los salarios son bajos y los beneficios "fluyen mayormente a las grandes compañías, el sector financiero y a un pequeño estrato de trabajadores administrativos y profesionales que ganan altos salarios", afirma Salas.

27.9.06

Venessuela es acá

O Estadão fala da gonorância (de pretos, pobres e paraíbas, evidentemente) que astravanca o progréssio.

O Marco Aurélio de Mello, presidente do TSE, escancara sua atividade eleitoral ao reclamar da PF não ter achado os grampos que ele alegava existirem. Praticamente acusando na cara dura, e sem evidência, outro poder de fraude.

FH diz que Lula é o demônio. Divertido deve ser ouvir o que dizem agora os tucanos que riam do Chávez fazendo o mesmo com o Bush.

E uma prisão preventiva nula de direito foi decretada para os envolvidos na compra do dossiê contra o Serra.

Não sei vocês, mas eu pelo menos não vou me surpreender nem um pouco se amanhã descobrir que o Skaf é o novo presidente do Brasil, e a Condi apóia esse movimento democrático.

25.9.06

Dragões brasileiros

Não, não aqueles pobres coitados de calça branca que acompanham o desfile da independência. Esses são de verdade - os pterodátilos do Ceará, que formam provavelmente a maior coleção mundial do bicho (que não é um dinossauro, apesar de ser velho e meio lagarto). E digo coleção porque eles agora ganharam um "geoparque" pra eles, no Araripe.

Pronto, agora você não pode mais dizer que não tem nada pra fazer no Ceará.

Em geral, aliás, Brasil e Argentina são a nova fronteira da paleontologia. Ainda tem muita coisa a explorar por aqui, ao contrário das camadas da Europa, norte da África e América do Norte que, fuçadas e esquadrinhadas desde o começo do século XIX, nos deram quase todos os dinossauros e criaturas pré-históricas "clássicas" como o T-Rex e o Brontosauro (gringos), o arqueoptérix (alemão), ou o iguanodonte (inglês).

23.9.06

A questão de Tanger

Tá, de Teerã. Tudo a mesma coisa. As Grandes Pot- digo, a comunidade internacional debate o que fazer com o ato de rebeldia do Irã, que busca... bem, não se sabe ao certo. Não há evidências sólidas de que procure armas atômicas, mas a questão é que a diferença estabelecida no tratado de não-proliferação é fundamentalmente falha. Uma máquina de enriquecimento para fins pacíficos eficiente é a mesma que pode criar uma bomba atômica. A rigor, a única tecnologia diferente (e portanto fundamentalmente fiscalizável) é a da criação de bombas termonucleares.

A BBC resolveu averiguar as opiniões das pessoas mundo afora sobre a questão. O resultado, pra mim, é um tanto curioso. Isso porque as pessoas no Brasil, Canadá e Coréia do Sul, por exemplo, acham que a ONU devia impedir os países de enriquecer combustível nuclear. E todos esses países praticam o enriquecimento de urânio - alguns fizeram disso até bandeira.

Fora isso, a maior curiosidade das respostas é que elas evidenciam muito obviamente a polarização das opiniões sobre o Irã no Iraque.

22.9.06

Assumindo II

Pro senado, vou votar no Jandirão. Porque falta macho naquela budega. Desculpas. A sério, Jandirão não compartilha de 100% das minhas opiniões. Mas a porcentagem é alta o bastante pra ter minha simpatia. É a favor da descriminalização do aborto, da legalização do casamento gay, e de submeter as Magnitogorsks do BNDES às decisões locais. E do outro lado tem o Dornelles, que era certamente em quem uma ONG anti-corrupção italiana tava pensando quando disse que existia uma relação direta entre consumo de cimento e corrupção.

Pro governo do estado, vou anular. Não tem nenhuma figura minimamente razoável no meio. Sérgio Cabral é um ACM, uma pessoa pra quem violência e corrupção são a política. O Bispo Crivella é bispo da Universal, o que já é uma longa explicação em si. Denisse Frossard é nazi (se for pro segundo turno, sou capaz de votar, refreando a ânsia de vômito, no Cabral contra ela). Volodya Coqueiro é o líder estudantil mais velho do mundo. Etc.

Pra deputado federal, tô na dúvida. Acho que, cada vez mais, fico pensando que no sistema político brasileiro o correto seria votar no partido do presidente em que se vota, não num deputado. Mas o Álvaro Motta promete criar parques nacionais. E o LE Soares, apesar de estar na bosta indizível que é o PPS, é uma figura que eu respeito.

Pra deputado estadual, vou votar no Minc. Ao contrário do Gabeira, em quem votei na última eleição pra federal, ele não me decepcionou. E a pauta dele de reinvindicações é bem parecida com a minha. Fora isso, gosto daquela estrelinha do mar.

19.9.06

Assumindo I

Bueno, assumindo e decidindo os votos, de cima pra baixo.

Vou votar pela reeleição do Lula. Tenho inúmeras ressalvas a fazer ao dito-cujo. Acho a arrogância dele insuportável, tenho certeza de que ele sabia do caixa 2, ou pelo menos dizia "façam e não me contem." Acho a aliança com Jader Barbalho e Newtão vergonhosa. Queria que os processos de privatização fossem revistos, não porque sou contra concessões e privatizações em geral, mas porque eles foram das coisas mais danosas que já se fez contra o Brasil, sendo inclusive parcialmente culpados pelos tais dos juros altos. Se visse o Roberto Rodrigues, o Márcio Fortes, o Humberto Costa e a Bené numa sala, não ia pensar que era ministério, mas um aparelho do narcotráfico. Mas Lula é dos males o menor, comparando com os outros candidatos. Além disso, "nunca antef na hiftória defte paíf," como ele diria,

-Houve crescimento da renda per capita com ou diminuição no índice de Gini (desigualdade) ou diminuição da dívida externa. Quanto mais os dois.

- Houve um aumento de 100% num único mandato presidencial do orçamento de investimento e custeio do MEC. Bem, minto. Houve, no mandato de quinze anos do Getúlio. No do FH, diminuição de 85%.

- Houve uma diminuição sistemática do desmatamento na Amazônia.

- A polícia federal investigou o partido do governo. Mais de uma vez. O procurador-geral da república também deixou de ser engavetador-geral da república.

- O Brasil está, com os percalços óbvios, seguindo uma rota latitudinal na diplomacia. Eu gosto disso. O que a galera denuncia como "subserviência" aos ditames da poderosíssima Bolívia é exatamente o que eu queria ver.

Etc.

Last but not least - pode ser simbólico. Mas acho que é um símbolo que importa, sim. Tem um paraíba, um baiano sem anel de dotô, na presidência da república. E ele nomeou os primeiros ministros negros de 184 anos de história independente. (Pelé como ministro de uma pasta-fantasia não conta), e o primeiro ministro do STF negro.

E quando digo dos males o menor, tô falando muito sério. As duas cornas ressentidas ex-petistas são podres na prática, apesar do discurso de nariz empinado. HH tentou processar uma rival política por ser lésbica, e é um poço de hipocrisia de deixar o FH, que reclamava por mais LAcerdas, orgulhoso. Além de só estar à esquerda do Lula pra quem acha que esquerda é grito. Cristóvam paga de sério e de focado na educação, mas não fez porcaria nenhuma pela educação como ministro da mesma nem como governador do DF. Ele presidente, continuando a falar como se não fosse (como fazia quando era ministro) ia ser divertido.

Quanto a Alckmin, além de razões pessoais que me fazem votar em Lúcifer Satanás (se for o caso) contra ele, não consigo deixar de achar curioso essa porcaria desse discurso de "competência," de "gestão" pseudoempresarial do PSDB. Os liberais que votam neles devem ter que fazer alguma ginástica mental pra esquecer que o PSDB conseguiu fazer todas as cagadas de gestão possíveis e imagináveis, que sem contrapartida social econômica ou de qualquer outra coisa foram eles quem explodiu a dívida pública e a carga tributária. Além deles terem encampado legal o discurso fascista representado pelo secretário de segurança pública paulista. Imagina se eu vou querer um cara que manda a polícia matar 400 em três dias como ministro da justiça? E como ministro do meio ambiente, no lugar da Marina Silva vai ser o Graziano? No lugar do Manteiga-sem-sal, o Mendonça de Barros, que já disse que o crescimento da desigualdade é indissociável do crescimento econômico?

16.9.06

Reduce, reuse, recycle

Tá, eu tô ficando especialista em repetição. Dessa vez, tô repetindo as idéias que já foram pisadas neste e neste posts, mas eu tenho uma desculpa. É que a Unicamp e o WWF acabaram de publicar um estudo (otimista demais, na minha opinião) sobre políticas energéticas alternativas, que bate de frente com a opção fóssil-hidrelétrica da Empresa de Pesquisa eEnergética, órgão federal responsável por fazer o planejamento a longo prazo, pra ser usado pelo governo.

O interessante é a reação imediata e indignada a ele do presidente da EPE, que chamou de "utópica" e "ideológica" a idéia de aumentar a eficiência energética do país, além de atacar um boneco de palha ao fingir que o estudo da Unicamp previa uma expansão zero da oferta de energia. Ou seja, encampou-se, ideologicamente, no campo dos hidros (carbonetos e elétricos).

O que é engraçado, porque é uma bela demonstração de captura do regulador. Bem, no caso do planejador. Geralmente, quando alguém fala em captura, se pensa em algo próximo da prevaricação, no Hélio Costa agindo como lobista da Globo junto a si mesmo. Mas captura, a rigor, não é isso, é algo do gênero do Tolmasquin, ou de incontáveis banqueiros centrais - é quando o sujeito encarregado de manter um setor na linha encampa, honestamente, a ideologia daquele setor, e acredita sinceramente que os seus interesses equivalem aos da nação.

E só pra registrar - as hidrelétricas do Madeira ou do Xingu, ao mandar sua energia pro Sudeste ou Nordeste, teriam, com as melhores condições possíveis (cabos de corrente contínua ABB), mais de 30% de perda na transmissão. Isso é, sempre que ler sobre a geração delas, dê um desconto de 35% em termos práticos (e aumente proporcionalmente o preço por kW). Fora imaginar, além da obra da própria usina, os milhares de quilômetros de cabos e torres de transmissão gigantes. Que teriam que ser mantidos...

15.9.06

O que vale é a tendência

Seguindo a idéia do "Geraldo," registro aqui alguns contrastes entre a situação e a tendência ainda mais preocupantes do que o crescimento dele nas pesquisas eleitorais.


1 - O índice de dissimilaridade espacial por raça, que mede a segregação residencial, é muito menor no Brasil do que em outros países com grande população negra. Nas regiões metropolitanas brasileiras, varia entre 37 e 41, com a exceção de Salvador (48), enquanto nos EUA varia entre 71 (Detroit) e 96 (Milwaukee), e na África do Sul está em 98. Mas enquanto nesses dois países houve uma melhora significativa nas últimas décadas, no Brasil a tendência é de estabilidade.


2 - A participação de energias renováveis na geração de energia elétrica brasileira (81%) está bem acima da média mundial, em torno de 40%, e ainda mais acima da média da OCDE, 6%. Mas enquanto as outras melhoraram nos últimos anos, a brasileira era de 93% há uma década. O mesmo se dá com as posições e tendências em termos de intensidade energética (gasto de energia por $ de PIB).


3 - O Islã e o Cristianismo fundamentalistas e intransigentes sempre tiveram penetração relativamente pequena, mais pelo imenso peso da religião tradicional, folclórica e localista, que pela influência das seções esclarecidas. Hoje, ainda são minorias, mas já representam mais de 10% do cristianismo (e crescendo, na África principalmente, exponencialmente). Não se sabe exatamente a proporção entre os muçulmanos, porque dois dos três países que concentram a imensa maioria da população muçulmana (Indonésia e China, o outro é a Índia) não gostam da idéia de saber disso.

Correção - substituam aí em cima China por Paquistão. O quarto é Bangladesh, a China tem modestos entre 40 e 90 milhões de muçulmanos. Não sei por que a piração na batatinha. Desculpas, e brigado pro Francisco!

5.9.06

Dove II

Tá, eu sei, além de não ser nem um pouco original, é um resmungo meu que já foi postado antes. Mas fazer o quê? A propaganda de sabonete de aveia Davene fala "descubra porque as melhores coisas vêm do campo" ou coisa que o valha, mostrando umas beldades louras pagando de camponesas. O que é legal na propaganda, pra mim, é que ela explicita o que todas essas modelos brasileiras loiras só deixam implícito. Quero dizer, são talvez uns 10% da população brasileira, sendo generoso, que têm fenótipo norte-europeu, mas essa proporção tá ao contrário no mercado de modelos. Isso tem mais de identificação da europeidade com o bom do que com uma preferência estética completamente eletivo; além da oposição preto/loiro cotidiana, a propaganda da Davene deixa isso claro ao situar as modelos gaúchas num campo europeu. Até porque a área plantada com aveia no Brasil, no Paraná e SC, é insignificante.

Tá, não é exatamente a mesma reclamação quanto às branquelas da Dove, porque esse mercado que quer as modelos brasileiras, mas branquelas, é mundial. A brasileira é exótica o bastante pra ser a terceiromundista, latina caliente, mas pode ser branquela, ergo bonita. O exótico, o não branco, é só sugerido, mas não precisa aparecer na revista. Sim, existem modelos internacionais não-brancas, mas são muito poucas, e mesmo essas no mais das vezes apresentadas com extremos de exotização de deixar um japoniste do fin de siècle envergonhado. O que torna de uma hipocrisia extrema as reações chocadas (e até imbuídas de um certo preconceito contra o "terceiro mundo preconceituoso") à miss Boliviana que, sentindo o racismo alheio, tentou exorcizá-lo se bandeando pro lado dos brancos ao invés de denunciando, quando declarou que na Bolívia também tem muita gente branca e bonita.

31.8.06

Dia do Blog

Tem uma propaganda de carro flexfuel em que um moleque não consegue decidir nada. Pois bem, fora andar de carro eu sou o tal moleque. Então não vou escolher cinco blógues pra pôr aqui. Ao invés disso, madame Zara Yonara conclama quem quiser a perguntar qualquer coisa que será respondido. (Tá que pra muita coisa a resposta vai ser "no sé, señor Haddock.")

E recomenda, claro, o primeiro parágrafo, o de blogs, da lista de links ao lado.

29.8.06

Crescer o bolo pra depois dividir

Depois de vinte anos de estagnação econômica, no Brasil parece ter se cristalizado a idéia de que ser desenvolvimentista é ser de esquerda. Em outras palavras, tem gente dando razão aos neoliberais doidos que acusam a esquerda de estatólatra, ou dizendo, se preferir, que a ditadura era (economicamente) de esquerda. Ao mesmo tempo, a candidata que se identifica no pólo esquerdo da disputa presidencial denuncia a assistência social.

Eu acho isso meio esquisito. Os anos do "milagre" econômico brasileiro foram anos em que cresceu radicalmente a desigualdade, e a proporção de miséria ficou estagnada. O desenvolvimentismo no Brasil, como em boa parte do mundo, sempre significou por dinheiro público na mão de endinheirados, mas aqui é pior porque o dinheiro público foi tirado equanimemente de todo mundo. O IR é comparativamente pequeno e pouco progressivo, o grosso dos impostos são sobre o consumo e pagos igualmente por todos.

Não é que eu seja a favor de laisser faire, veja bem. Muito menos da forma grotesca que o liberalismo assumiu no Brasil (com mais dinheiro público, de impostos menos progressivos ainda, sendo entregues aos ricos, e com menos controle do estado em troca). Mas que acho muito esquisito que Cingapura se torne o modelo da esquerda enquanto Cuba é assistencialista, acho.

Enfim. Só pensei nisso porque saiu matéria no Valor falando sobre a situação do trabalho no Milagre Asiático.

O aumento impressionante da produtividade do trabalho na Ásia entre 1995 e 2000 não foi seguido nem de perto pelos salários. Na China, o ganho de produtividade foi de 6,3% ao ano em média, mas o dinheiro no bolso dos assalariados cresceu bem menos. Na Índia, houve baixa de salários, apesar da alta produtividade, significando deterioração do poder de compra dos trabalhadores justo quando sua eficácia no emprego aumenta.

Os ganhos de produtividade tambem não reduziram o tempo de trabalho. Os seis países campeões do mundo em horas anuais trabalhadas estão todos na Ásia: Bangladesh, Hong Kong (território chinês), Malásia, Coréia do Sul, Sri Lanka e Tailândia, onde boa parte da população trabalha mais de 50 horas por semana.

O trabalho infantil declinou, mas a região ainda conta 122 milhões de criancas em atividades produtivas, representando 64% do total mundial. Tambem a segurança e saúde dos trabalhadores não melhoraram: cerca de 1 milhão de empregados morrem anualmente na Ásia por causa de acidentes de trabalho ou doenças profissionais. A Aids avança, inclusive na China.

A Ásia é também a região com a menor ratificação de convenções internacionais do trabalho, incluindo direito de associação. A OIT diz que os próximos dez anos serão críticos, quando 250 milhões de novos trabalhadores estarão em busca de emprego na Ásia.

28.8.06

A diferença entre cidadania e diamantes.

Diamantes são pra sempre. O slogan, que já virou nome de filme de James Bond, foi cunhado pela quase-monopolista empresa De Beers, produtora de diamantes que controla o mercado mundial desde que era a empresa do seu Rhodes, que teve país com nome dele e tudo. Também não deixa de ser verdade - os diamantes têm dureza dez naquela escala que parece material pra bodas, com materiais de referência, mas de verdade verdadeira mesmo são várias vezes mais duros do que rubis e safiras (9) e milhares de vezes mais duros do que o resto dos materiais.

Já a cidadania, pelo visto, não é exatamente pra sempre. Se você viajar e for parente de alguém suspeito de alguns crimes, e o país estiver numa certa guerra eterna...bem:

Do San Francisco Chronicle


The federal government has barred two relatives of a Lodi man convicted of supporting terrorists from returning to the country after a lengthy stay in Pakistan, placing the U.S. citizens in an extraordinary legal limbo.

Muhammad Ismail, a 45-year-old naturalized citizen born in Pakistan, and his 18-year-old son, Jaber Ismail, who was born in the United States, have not been charged with a crime. However, they are the uncle and cousin of Hamid Hayat, a 23-year-old Lodi cherry packer who was convicted in April of supporting terrorists by attending a Pakistani training camp.

Federal authorities said Friday that the men, both Lodi residents, would not be allowed back into the country unless they agreed to FBI interrogations in Pakistan. An attorney representing the family said agents have asked whether the younger Ismail trained in terrorist camps in Pakistan.

24.8.06

Minha velha, cancele o pão

Plutão, deus dos tesouros subterrâneos e da morada dos mortos, perdeu oficialmente seu status planetário, com a definição oficial para planetas do congresso internacional de astronomia. Um planeta tem que estar em órbita estelar, ser grande o bastante pra ser uma bola, e abnsorver ou transformar em seu satélite toda a matéria nas imediações.

Eu, pessoalmente, preferia a definição anterior (que não exigia a eliminação da matéria circuncidante), porque ia deixar duas deusas entrarem pro rol dos planetas - Ceres, deusa da agricultura, que deixou de ser planeta antes de Plutão ser descoberto, o maior asteróide do cinturão, e Xena, a princesa guerreira, que por ser a ídala de um seriado de ação, ao invés de algo sério, sempre teve minha simpatia.

O divertido são as reações a algo tão " importante." O blog da Scientific American é um dos que perguntam o que vai ser das frasezinhas de decoreba, e num tablóide na banca tava anunciado que isso não afetará a astrologia...

22.8.06

Get rich quick

Join the force!

A guerra às drogas, nos EUA como cá, tem sido motivo de erosão de direitos dos cidadãos constante (igualzinho uma guerra de verdade, como diria o caubói da maconha com Paraquat, do Feiffer). Uma das belezuras da sua versão americana (em que, por outro lado, a execução imediata de "inimigos" é umas sete vezes menos comum do que aqui) é a possibilidade de a polícia apreender (e guardar pra si, inclusive distribuindo a parte em dinheiro como "incentivos") bens de suspeitos. Veja bem, não condenados. Suspeitos. Bem, até essa definição tá sujeita a ampliações. Pelo menos se você for mexicano, já que não imagino a polícia, ao revistar um Hummer dirigido pelo Ken Lay, confiscasse a grana. Como diria minha tia-avó, ainda bem que eu sou branquinho.

PS Ignorem o "o" em Gonzalez...


Eighth Circuit Appeals Court ruling says police may seize cash from motorists even in the absence of any evidence that a crime has been committed.

US Court of Appeals, Eighth CircuitA federal appeals court ruled yesterday that if a motorist is carrying large sums of money, it is automatically subject to confiscation. In the case entitled, "United States of America v. $124,700 in U.S. Currency," the U.S. Court of Appeals for the Eighth Circuit took that amount of cash away from Emiliano Gomez Gonzolez, a man with a "lack of significant criminal history" neither accused nor convicted of any crime.

On May 28, 2003, a Nebraska state trooper signaled Gonzolez to pull over his rented Ford Taurus on Interstate 80. The trooper intended to issue a speeding ticket, but noticed the Gonzolez's name was not on the rental contract. The trooper then proceeded to question Gonzolez -- who did not speak English well -- and search the car. The trooper found a cooler containing $124,700 in cash, which he confiscated. A trained drug sniffing dog barked at the rental car and the cash. For the police, this was all the evidence needed to establish a drug crime that allows the force to keep the seized money.

Associates of Gonzolez testified in court that they had pooled their life savings to purchase a refrigerated truck to start a produce business. Gonzolez flew on a one-way ticket to Chicago to buy a truck, but it had sold by the time he had arrived. Without a credit card of his own, he had a third-party rent one for him. Gonzolez hid the money in a cooler to keep it from being noticed and stolen. He was scared when the troopers began questioning him about it. There was no evidence disputing Gonzolez's story.

Yesterday the Eighth Circuit summarily dismissed Gonzolez's story. It overturned a lower court ruling that had found no evidence of drug activity, stating, "We respectfully disagree and reach a different conclusion... Possession of a large sum of cash is 'strong evidence' of a connection to drug activity."



21.8.06

Educação é a solução

No debate presidencial, leio hoje no jornal velho (junto com a revelação de que persas e afegãos são árabes, e Brent é o termo para petróleo líquido), Cristóvam Buarque explicou que "a educação é a única questão que, ao ser solucionada, soluciona as outras. Se você resolver a segurança, não resolve a educação, mas se resolver a educação resolve a segurança."

Bem, acho louvável que ele tenha uma prioridade, acho importante mesmo. Sem prioridades claras, a grana e as energias do governo vão pra quem grita mais alto. E educação é uma prioridade que me agrada. Mas essa declaração é uma besteira das grossas. Resolvendo a segurança, resolve-se boa parte do problema de moradia (ao remover uma condicionante negativa do mercado de imóveis e da ocupação), alivia-se o problema da educação (ao tornar mais atraente a profissão de professor), melhora-se a saúde (hospitais sem feridos a bala têm mais leitos), etc. O mesmo é verdade pra qualquer Grande Questão Nacional.

E se educação fosse uma pérola mágica, que sozinha não só ajuda mas resolve os outros problemas, então a Rússia e outros países da exURSS não estariam na bosta em que estão, com o crescimento exclusivamente atrelado à exportação de energia, índices de morte violenta piores do que os brasileiros, moradia insuficiente apesar da população declinante (devido à deterioração da moradia de péssima qualidade construída no período da reconstrução), tuberculose grassando, etc etc etc. Têm, todos, um nível educacional de causar inveja ao "primeiro mundo."

20.8.06

Pena de Mueeeerte

A pena de morte, barbárie na qual o Estado comete o crime sem retorno contra um de seus cidadãos (ou, mais raramente, um cidadão de outro Estado), foi oficialmente banida da maioria dos países do mundo. O time que ainda encampa, entretanto, é uma pusta primeira divisão. Dos países com mais de 100 milhões de habitantes, apenas Brasil (5º maior) e México (11º) renunciaram à pena de morte com o devido processo legal. Como a maior executora, a China, não é lá muito transparente nessas horas, não se tem uma estimativa confiável do número de execuções legais no mundo, mas estima-se que sejam pelo menos duas mil. O segundo maior carrasco, a Arábia Saudita, matou uns 100, o terceiro, os EUA, uns 60. Há denúncias entre criminalistas chineses de que o número verdadeiro da China esteja mais próximo de 8000 que dos mil e setecentos que a Anistia Internacional conseguiu confirmar a partir de fontes na imprensa.

Os "com o devido processo," entretanto, são uma minoria ínfima. Só no Brasil, são executados pelo Estado, sem nenhum processo legal e com a aprovação às vezes entusiástica de governadores e secretários de segurança, entre três e quatro mil "criminosos" por ano (mesmo deixando de lado uma situação aberrante como a deste ano, em que a polícia de São Paulo deliberadamente assassinou familiares inocentes de suspeitos). Um terço no Rio de Janeiro, um terço em São Paulo. No mundo inteiro, os assassinados extrajudicialmente pelo estado são mais de 30.000, um número quase dez vezes maior do que os assassinados com devido processo. (Nos EUA a proporção é parecida.)

Os países que não têm nem uma nem a outra versão da pena de morte são poucos - basicamente parte da Europa Ocidental, mais Canadá. Cagadas excepcionais, como no caso do Jean Charles de Menezes, não contam, porque a pena de morte extrainstitucional não se trata apenas de o estado matar alguém, mas de o estado fazer isso de forma regular, institucionalizada, mesmo que fora da lei. Claro que isso não quer dizer que os ditos estados estejam livres de culpa - a maioria deles comete atos de tortutra, ilegal ou não - a tortura legal está presente em coisas como o RDD-Supermax e outros regimes prisionais em que se enfia o sujeito num buraco, sem nada pra fazer ou sequer algo pra olhar, por 22 horas a fio ou mais, ou mesmo em métodos de "controle" aprovados utilizando armas "menos letais" como bastões de eletrochoque e spray de pimenta.

18.8.06

Grade inflation

Segundo a Folha, o ar de Sampa está regular em todas as 30 estações de medição. Qual o critério deles de regular? Porque até onde eu tô, num décimo andar na Lorena, que tá longe de ser o canto mais poluído, o ar tem um cheiro parecido com o que, no Rio, eu tô acostumado a sentir na esquina da Rio Branco com a Presidente Vargas. Não quero nem imaginar o cheirinho nas marginais.

Enfim, coisas da cidade PJ Harvey.


***************

O ex-prefeito dela, aliás, agora diz que o problema das escolas é a migração. Serra virou, pelo visto, seguidor de Pat Buchanan. Só falta começar a falar da cultura nordestina, junto com o bando de brasileiros de classe média que se acham "ocidentais." Infelizmente, branquelo e rico, Serra nunca vai passar pelo que muitos deles passam quando se descobrem cucarachos brownzinhos no Primeiro Mundo de seus sonhos.

***************

O INPE avisa que secas vão ser mais comuns no Brasil, devido ao desmatamento e ao aquecimento global. Parece que ninguém avisou a empresa de pesquisa energética, que continua pondo a ênfase em grandes hidrelétricas. Se bem que, pela notícia veiculada no valor de hoje, eles nem as perdas de transmissão consideram, alterações climáticas vão demorar mesmo.

16.8.06

Pero que las hay...

Tem gente dizendo que o manifesto do PCC pelos direitos humanos, ao invés de prova definitiva do surrealismo que é o Brasil, seria uma armação. Teria sido escrito pela própria secretaria de tortura e extermínio, digo, de segurança pública, de São Paulo.

Não gosto de teorias de conspiração, e muito menos das mundanas. Acho o mundo das sombras e dos mistérios fascinante, mas prefiro deixá-lo nas sombras entre as letras de uma página a imaginar que fosse real, prefiro a realidade dita como se fosse mentira à mentira dita como se verdade fosse; e ainda que procurasse um mundo secreto, seria o dos djinns e shaitans, dybbuks e exus, nunca o dos Jack Bauers e James Bonds. Aliás, cada vez mais, James Bond só me interessa pelo lado das Bond Girls.

Mas conspirações, volta e meia, existem. A Operação Brother Sam, descartada como paranóia esquerdista, era na verdade bem maior do que na lenda. Os acordos secretos do fin de siècle existiam, e tiveram influência na formação da Grande Guerra. Até o Ouro de Moscou existia, se bem menor do que diziam.

E temos, dessa vez, por um lado uma organização vendida como genial fazendo, na TV, um conjunto de exigências genéricas (o que vai contra a lógica de sequestros), quando ela sabe que toda a população lhe odeia e que, portanto, ver esse conjunto de exigências na sua boca vai deslegitimar todas elas a ponto de torná-las impossíveis. E isso apesar de ter uma pá de organizações legítimas e respeitadas fazendo as mesmas exigências, que se resumem a um mínimo de decência e direitos humanos, na prática.

Ora, as tropas do secretário Saulo Ramos já fizeram todo tipo de ilações e sugestões ligando o PCC a essas organizações legítimas, além de ao PT e na tentativa de caracterizar o grupo criminoso como "comando político." Até inventaram de chamar a organização mafiosa de "organização em células terroristas," pelo visto um outro nome para "bandos criminosos sem comando organizado," que é a forma normal de um grupo desses, e não tem nada a ver com uma verdadeira organização de células terrorista.

Então, por que não acreditar que essas pessoas, que já estão mentindo, mintam mais, dessa vez sequestrando um repórter? Não é como se sequestro e assassinato de inocentes estivessem fora do seu portifólio, comprovado. E o ódio aos direitos humanos nutrido por esse povo, expresso no cartaz do deputado Bolsonaro que reza "direitos humanos : lixeira de bandido," foi o que engordou com o vídeo da Globo, não qualquer bandeira do PCC.

Detalhe - o tal regime disciplinar diferenciado combina coisas realmente úteis para se isolar chefes criminosos, como a exigência de microfone para agentes penitenciários chegarem perto, com a coisa absolutamente desumana que são 22 horas por dia na solitária. Sua origem está em prisões supermax americanas, que também envolvem o uso de eletrochoques e gás valium no tratamento dos prisioneiros. Tinha que acabar mesmo, não importa se o PCC ou Lúcifer também são contra.

O engraçado é que se apresenta a repressão, ignorando os direitos humanos, ou o aumento do crime/terrorismo/seiláquê como uma "escolha de sofia." O dilema é tão falso que se pode demonstrar que, pelo contrário, existe uma correlação positiva muito forte entre os dois, e temporalmente defasada no sentido terror de cima/terror de baixo. Isso é, o "endurecimento" não é só vergonhoso. Ele alimenta aquilo que supostamente reprimiria.

8.8.06

Crise do agronegócio

Rápido! Dêem (mais) dinheiro público aos coitadinhos!

Revisionismo

Na revista America Economia, a colunista Susan Kaufman Purcell nos ensina que


Há, entretanto, um lado negativo dessa crescente dependência latino-americana da China e da Venezuela, assim como da redução relativa da influência norte-americana na região. Primeiro, nem China nem Venezuela dão muita importância ao fortalecimento da democracia. Talvez no início muitos governos latino-americanos possam ter acolhido favoravelmente a não-intervenção nos assuntos internos de seus países, mas o apoio dos EUA à democracia é uma importante explicação de por que nos anos recentes a região tem sido mais democrática que outros mercados emergentes.

...


O terceiro custo da menor influência dos Estados Unidos e o crescimento da influência venezuelana e chinesa tem relação com os militares latino-americanos. Alinhado com seu apoio às democracias e às economias de mercado, Washington tentou ajudar a região a evitar uma custosa corrida armamentista. Seus programas de treinamento militar na América Latina enfatizaram a importância do controle civil das forças armadas e respeito pelos direitos humanos, apesar de que esses esforços nem sempre produziam os resultados desejados.


2.8.06

Culatra

Deu no Valor (e não é nenhuma surpresa o voto do Marco Aurélio de Mello):

O PT obteve, ontem, uma importante vitória no Supremo Tribunal Federal e conseguiu derrubar a blindagem à instauração de CPIs na Assembléia Legislativa de São Paulo. A decisão pode dificultar a campanha do candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin.

...


Curiosamente, a decisão que ontem beneficiou o PT foi fundamentada em outro julgamento que envolveu o partido. Em junho do ano passado, o STF decidiu aceitar a tese do direito da minoria numa ação cujo objetivo era garantir a abertura de investigações contra o governo do presidente Lula. Os ministros decidiram, na época, que o governo federal não poderia impedir o funcionamento da CPI dos Bingos, requerida pela minoria do Congresso Nacional.

1.8.06

10:1, ou as israélicas

Normalmente, eu odeio comparações entre Israel e os nazistas. Não gosto de "ironias e lições da história" reducionistas, e essa em particular tem um odor a anti-semitismo que, por mais leve que seja, fede. O anti-semitismo, em parte graças à contribuição israelense fornecendo desculpas para ele, nunca esteve tão morto quanto, na ressaca do pior crime da história, gostaríamos de supor que ele estivesse, afinal.

Mas a comparação é inevitável, quando Israel estabelece uma razão de 1:10 a ser observada em termos de prédios atingidos por bombas. Isso é retribuição coletiva, sem nenhuma "razão militar" (sem entrar no mérito do caráter esfarrapado das justificativas militares para bombardeios aéreos). E fala em prédios por pura hipocrisia, para não falar em gente. Aliás, a razão è obviamente muito maior do que dez pra um, já que a densidade populacional nos subúrbios de Haifa é muito menor do que no Líbano, e as bombas israelenses muito mais destrutivas do que os foguetes do Partido de Deus.

**************

O mencionado Hezbollah não é flor que se cheire, de jeito nenhum. É uma milícia violenta, racista e fundamentalista religiosa, no pior sentido. Mas essa é uma característica comum das vítimas de massacres: se recusam a ser puras e angélicas. Não eram anjos as vítimas de Pol Pot, Hitler, Stálin, Mao, Saddam, ou de qualquer outro massacre. Condenar o crime, felizmente, pra qualquer pessoa decente, não depende dessa pureza, e para qualquer pessoa inteligente não implica em inventá-la. Quem insiste nessa falta de pureza para exonerar os criminosos lembra um advogado de estuprador dizendo que a vítima usava saia curta. (Outro exemplo comum são aqueles articulistas que "denunciam" que índios também guerreavam, ou que africanos fizeram a sua parte no tráfico atlântico).

***************

Falando em massacres de muçulmanos, com o terrorismo islâmico como desculpa esfarrapada, por que nos emocionamos tanto com Israel, quando a Rússia faz a mesma coisa, talvez pior, com os chechenos? Será, como querem os APAICs da vida, um resto de anti-semitismo? Será um outro tipo de preconceito, em que "nós ocidentais" não deveríamos ser monstros, como é facultado aos tirânicos russos? Será o envolvimento americano? Neste exato momento, uma milícia nos moldes meio almorávidas da talibã está se expandindo às custas dos senhores guerreiros somalis, num conflito que envolve mais gente do que o Israel-Líbano, quantos cadernos especiais foram preparados sobre ele?

****************

Última pergunta: desde quando "as grandes potências" passaram a ser conhecidas pelo termo mais neutro "a comunidade internacional"?

28.7.06

Você é feliz?

A BBC acaba de relatar um estudo pra tentar descobrir "onde as pessoas são mais felizes."

Não que eu confie em estudos desse tipo, homogeneizando as centenas de línguas principais e culturas do mundo, mas... o interessante é que, pra maior parte das explicações de felicidade que eu lembrei, incluindo as advogadas pela BBC, tem mais pontos fora da curva do que dentro dela.

A observação de que "os governos deveriam tornar as pessoas mais felizes, não mais ricas" tem tudo a ver com o post que tô procrastinando escrever há uma semana...

26.7.06

Panacéia com contra-indicação

Em tempos de eleição, tudo quanto é candidato, no Brasil e no mundo, gosta de soluções que sejam simples como comprar um brinquedo pro filho. Faz sentido; é uma promessa que se pode cumprir sem precisar pensar, enfrentar gente ou assumir riscos. E os fornecedores ainda ganham um incentivo pra apoiar a campanha. É a mesma mecânica que faz com que os EUA comprem bombardeiros sofisticados de elisão de tecnologia de detecção russa "contra o terror," e que faz com que se jogue dinheiro em prédios, prometa mais estradas ou o que seja. Consumir é muito fácil.

Uma das coqueluches desse modo de pensar é a informatização das escolas, que junta ele e a convicção de toda grande organização, pública ou não, de que o aumento da tecnologia é um bem-em-si. O Mercadante já até prometeu uma "secretaria do futuro" com esse único objetivo. Pois bem, há controvérsias sobre a utilidade de se equipar as escolas...

The UK’s Royal Economic Society finds no ground for the correlation that politicans make between IT use and education.
The authors, Thomas Fuchs and Ludger Woessmann of Munich University, used the PISA tests to measure the skills of 100,000 15 year-olds. When social factors were taken into account, PC literacy was no more valuable than ability to use a telephone or the internet, the study discovered.

“Holding other family characteristics constant, students perform significantly worse if they have computers at home,” the authors conclude. By contrast, children with access to 500 books in their homes performed better. The negative correlation, the researchers explain, is because children with computers neglect their homework more.

24.7.06

Sinceridade

A National Space and Aeronautics Administration - NASA - é provavelmente a instituição científica mais famosa e rica do mundo. Tem um orçamento anual superior ao do conjunto de instituições de pesquisa de alguns países; levou gente à Lua; lançou o Hubble, que transformou a noção do que seriam imagens de telescópio pra gente; e esticou a fronteira da humanosfera até algum ponto nas fronteiras do sistema solar, com a Voyager. Também é responsável por boa parte do que sabemos sobre o próprio planeta Terra, do buraco na camada de ozônio ao comportamento de correntes atmosféricas e marítimas; do Niño ao aquecimento global. Pois bem, essa parte pelo visto vai ser, ahn, "desenfatizada" de agora em diante. Desde o começo de 2006, sem nenhum alarde, a missão da agência deixou de começar com "entender e proteger nosso planeta natal."

******************

Há menos de uma década, a produção de aço da maior siderúrgica do mundo, a Nippon Steel, faria dela algo como o décimo maior produtor de aço mundial, se fosse um país, com uma participação máxima em qualquer dado mercado nacional importante menor do que 30%. Hoje, com a Mittal e a Arcelor se fundindo, mesmo sem quase nenhum crescimento na produção fora da China e Índia (onde Mittal e Arcelor não existem), a nova companhia produzirá a mesma quantidade de aço que EUA ou Japão. E deterá o quase-monopólio em dúzias de países.

*******************

O George Vidor, nO Globo de hoje, volta a fazer campanha pelas usinas nucleares. A onda de calor na França, porém, além de matar velhinhos fez lembrar outro probleminha delas: como qualquer térmica, only more so, elas precisam de quantidades imensas de água para resfriar os sistemas. Quando a temperatura da água no ambiente sobe, eventualmente as usinas têm que ser utilizadas à meia carga ou mesmo desligadas, porque a capacidade de refrigeração diminuiu. No Brasil, que é bem mais quente do que a França, alguém levou isso em conta?

14.7.06

De marré de si

Uma das coisas que eu não cheguei a mencionar, falando das cotas universitárias, é porque tenho tão pouca simpatia pelas cotas censitárias que todo mundo apóia. Afinal, se o problema é acabar com a desigualdade, privilegiar os mais pobres deveria ser nosso primeiro, principal, e talvez último critério, certo?

A questão é que renda não é um bom indicador de classe social, ou de "pobreza" num sentido amplo. Pode parecer um absurdo, mas é algo que você vai reparar se um dia for entrevistado por qualquer pesquisa de opinião sobre algum produto; eles não te perguntam apenas tua classe de renda, mas tua propriedade (imóvel e móvel), tua escolaridade e hábitos de consumo. Duas pessoas com renda igual podem viver em mundos diferentes em termos de condições materiais e sociais; um músico freelancer de família tradicional, mesmo ganhando a mesma coisa que um metalúrgico, tem uma reserva de contatos sociais, possibilidades financeiras e entendimento da cultura dominante e escolar (que não é inteiramente transmitida pela escola) imensamente maior. A filha dele tem muito mais chances de passar no vestibular do que a do metalúrgico. Do mesmo modo, um filho de pais universitários que têm renda baixa ainda novos não é igual ao filho de uma família analfabeta que, já maduros, têm renda um pouco maior em seu minifúndio. Por outro lado, estes, com a posse da terra e alguma autoprodução, estarão melhores do que uma costureira solteira de renda equivalente... Ademais, que renda deveria ser considerada? A per capita familiar? Em que período antes do vestibular?

A declaração infeliz do Lula de que existiam métodos científicos para determinar a raça de alguém merece ser esquecida, ou mostrada como besteira. Mas a idéia de que pobreza seja "óbvia" é tão nebulosa, no fundo, quanto a de que "raça" seja óbvio.

12.7.06

Syd Barrett morreu

E o mais estranho - nem o PCC nem a polícia de São Paulo são suspeitos da morte.

Já dos atentados na Índia, que lembram os da Espanha de 7/7 fora o fato de indiano não ter o mesmo cachet de espanhol (pela regra do NY Times, 1 europeu = 100 terceiromundistas), sei não...alguém já entrevistou o Marcola?

Falando nisso, o assessor pra segurança do candidato a governador José Serra é o Fleury.

Quanto tá a Ó-dê-á?

A inauguração de um escritório da Embrapa em Gana é mais um elemento de "ajuda externa" brasileira, como o foram antes os perdões das dívidas boliviana ou gabonense, e até parte do esforço de ocupação no Haiti. Ajuda externa não é necessariamente uma coisa boa, como o último elemento mencionado deixa claro; entre as grandes potências, boa parte da ajuda externa das grandes potências é de natureza bélica mesmo. Mas a ajuda tem, para as nações querendo chegar à burguesia, o mesmo significado que ir à ópera pruma família. Tá, ópera tá datado. Que comprar coleção de música pseudo-iconoclasta e som caro pro carro.

Quanto o Brasil gasta nesse bilhete de ópera? Ainda deve ser menos do que os 0,16% do PIB que os EUA gastam, que dirá dos quase 1% de alguns escandinavos, mas alguém tem alguma idéia de quanto é? Finalmente o MCT começou, ano passado, a mapear os dispêndios (públicos e privados) em ciência e tecnologia (sim, até ficar concluído esse estudo, o Brasil não tem nenhum relatório abrangente); não tava na hora do Itamaraty fazer o mesmo com a ajuda externa?

10.7.06

Apêndice ao post anterior

Quando digo que "No Brasil, não é essa a situação dos negros, que estão misturados cultural e fisicamente aos brancos pobres," estou reconhecendo a dificuldade de se definir, em termos que possam ser usados pelo Estado burocrático e impessoal, o que é um negro no Brasil. O racismo brasileiro não é étnico (o que não reflete uma aversão brasileira ao preconceito étnico - que o digam paraíbas, japas, turcos e índios). Não há, sem forçassão de barra, um falar negro, setores negros das cidades (apesar da preponderância de negros entre os pobres), uma história negra. Quando se fala de "arte negra," esta é confundida com "arte popular" (até pela esmagadora preponderância dos negros entre os pobres, dependendo da cidade e da época). Não se pode definir quem é negro através da ascendência ou de outras características "objetivas" que caracterizam programas de ação afirmativa para outros grupos (mulheres ou deficientes). A substituição dos termos "preto" e "pardo" do IBGE por "negro" é uma falácia; isso não é necessariamente o que as pessoas indagadas responderiam em questionários que substituíssem uma palavra pela outra. Aliás, curiosamente, "pretos-IBGE," minoria relativamente pequena na população brasileira, são mais comuns quando aumenta a escolaridade, reflexo de um grau maior de politização, tanto quanto do encontro mais frequente com o preconceito especificamente racista.

A falácia de quem é contra os sistemas de ação afirmativa por cor é confundir essa dificuldade (real) com uma impossibilidade. É uma dificuldade da relação do Estado, com os princípios que se acredita que o Estado deve seguir, com a realidade brasileira, que não segue as mesmas regras. Não confrontar essa dificuldade leva à perpetuação de uma faceta da realidade brasileira que todos concordamos injusta; "não há racismo no Brasil, apenas preconceito social associado à cor," como diz o Ali Kamel, é só piada, já que é essa a definição de racismo, a não ser que ele esteja circunscrevendo este à variedade étnica, o que é etno(do outro, americano)centrismo demais. E a ação afirmativa por renda, como as políticas universalistas, não constituem uma forma de lidar com o racismo.

Por outro lado, como eu já mencionei, a ação afirmativa na admissão universitária por cor afeta basicamente uma classe média-baixa (note-se que isso é algo a anos luz da autoproclamada "classe média" que acha que passar dificuldade é comprar menos CDs de jazz ou viajar menos ao exterior) negra emergente. Salvo raras exceções, o pobre brasileiro não terminou o segundo grau, para se beneficiar da universidade. Embora eu ache que sim, fazer com que haja mais negros entre nossas elites é um bem-em-si, isso leva a outro problema, observado na ação afirmativa americana: a deterioração da situação de outros grupos discriminados, antes relativamente em melhor posição do que os negros, que inclusive se reflete no aumento do preconceito contra eles.

Por isso, a minha sugestão pessoal, sem desaprovar as ações afirmativas por cor, é seguir uma idéia do Bushinho (é, ele mesmo). Ação afirmativa por origem geográfica, de favelados e moradores de zonas rurais principalmente, mas possivelmente, escalonada, para incluir todos os setores do IBGE significativamente abaixo da média. Na sociedade brasileira, muito menos plástica e muito mais hierarquizada do que a americana, mesmo quando as pessoas se mudam, é pra lugares com perfis sociais semelhantes; há uma cultura de bairro ativa; e o critério de pertencimento atende aos critérios de objetividade e imparcialidade. Ainda por cima dada a segregação espacial, que sendo menor que em outros países ainda é significativa, a ação afirmativa geográfica também serviria para aumentar o número de negros nas universidades. Não havendo "cultura negra" diferente, o "capital cultural" de negros e brancos favelados - o que não é a mesma coisa que pobres - tende a não apresentar diferenças significativas. Como diz o Canibal, na favela japonês também é preto. (Tá, a afirmação é boa mas ignora o preconceito que o japonês vai sofrer muito menos.)

Por isso também minha indagação sobre outras formas de ação afirmativa, que afetem um contingente maior de brasileiros. Se eu não sigo a falácia do universalismo, de "melhorem as escolas," por outro lado eu me indago sobre políticas de apoio a escolas e alunos negros desde o primário; em programas de combate ao racismo em sala de aula; de ações afirmativas para negros (ou geográficas) em contratações no serviço público e em empresas que recebem dinheiro público, em funções de baixa escolaridade.

Afirmando o quê?

O problema da ação afirmativa, aka cotas, no Brasil ganhou nas últimas semanas uma visibilidade que não tinha desde que as universidades começaram a implantar programas nesse sentido, há uns três anos. O motivo: com a iminência da votação no Congresso dos projetos de lei versando sobre o tema, grupos de intelectuais fizeram manifestos opostos, contra e a favor das cotas.

Os dois manifestos, infelizmente, como peças políticas que são, repetem falácias que os próprios abaixo-assinantes já denunciaram. Mas deixa isso pra depois. Primeiro: o que é Ação Afirmativa? Ação afirmativa é uma política de governo prevendo uma discriminação positiva direcionada a determinados grupos, com o objetivo de contrabalançar a discriminação negativa que eles sofrem. É, portanto, o equivalente em termos de capital social do que é feito com a renda quando se tem impostos de renda progressivo e programas de transferência de renda. A acusação de que a ação afirmativa é "discriminatória" é, portanto, inteiramente procedente; o que não procede é a acusação de "racismo," já que ela procura compensar um racismo reconhecido como existente na sociedade. O racismo não começa na invenção de "raças" neutras (a idéia de que ver essas raças como diferentes seria "natural" é uma racionalização do racismo, não algo que anteceda ele), mas na criação delas como parte de uma hierarquia social.

A ação afirmativa ser entendida como uma política "redistributiva de capital" no que tange ao "capital social" dos indivíduos, determinado por sua cor e ascendência, rebate a alegação de que o certo seria "melhorar" o ensino público pra todos. Uma tal melhora, ainda que factível (e muitos proponentes da ação afirmativa no Brasil estão entre os que mais lutam por ela, não o contrário, como alegado), beneficiaria igualmente a todos, preservando a desigualdade.

O nome "ação afirmativa" vem dos programas de ação afirmativa americanos, dirigidos principalmente aos negros, começando com a Grande Sociedade do Lyndon Johnson. O princípio, porém, é bastante mais antigo, tendo sido aplicado em impérios multinacionais como o Raj britânico e a União Soviética, no começo do século XX. No Brasil, o intervalo entre o reconhecimento oficial do racismo e o programa de ação afirmativa foi minúsculo, porque, apesar de iniciativas meritórias como a Lei Afonso Arinos, o governo brasileiro, oficialmente, só foi reconhecer o racismo como um problema sério durante o mandato do FHC. Até a conferência internacional na África do Sul sobre o assunto, quando os movimentos negros aproveitaram a exposição mundial pra meter a boca no trombone, os relatórios enviados ao programa anti-racismo da ONU pelo Itamaraty diziam que não havia racismo no Brasil em qualquer escala significativa.

O maior programa de ação afirmativa do mundo, hoje, é o indiano. Desde antes da independência, as castas inferiores, incluindo os dalits (intocáveis), têm tido preferência no emprego público; no ano passado, o escopo e intensidade do programa foi aumentado, com quase metade das vagas em universidades destinadas às castas inferiores e também à classificação OBC - outras castas atrasadas, um termo que designa gonds, dacoits e outras populações não-hindus, não-muçulmanas, consideradas "selvagens." Não sem protestos indignados da classe média súria, que diz que "o preconceito de castas não existe mais na Índia..."

No Brasil, a ação afirmativa torna-se mais complicada do que a maioria, porque o objeto de discriminação não é um grupo claramente definido, mas pessoas, de acordo com relações complexas. A ação afirmativa na maior parte do mundo é "étnica." Ela ajuda pessoas que fazem parte do mesmo grupo ao qual seus pais, em geral, pertenciam, com uma cultura própria em algum nível, geralmente segregadas em algum grau. No Brasil, não é essa a situação dos negros, que estão misturados cultural e fisicamente aos brancos pobres. Isso não é um problema apenas para a definição de candidatos válidos à A.A., como falado tantas vezes (e rebatido com a sugestão de que se crie um comitê de avaliação de PMs e porteiros), mas também para a própria justificativa da política. Até que ponto as diferenças entre negros e brancos vindos da mesma origem (que na prática se resumem ao racismo sofrido) justificam uma política dirigida aos primeiros? Se não, qual seria o melhor critério? Quais os efeitos que essa política pode ter sobre o próprio racismo brasileiro?

É neste último ponto que se baseia a oposição de muitos antropólogos que assinaram o manifesto do anti-. Para eles, a introdução de categorias raciais na legislação significaria a alteração do racismo brasileiro, que sem deixar de ser violento é relacional e negociável, para um racismo de tipo americano, étnico e segregado. É pelo mesmo motivo que parte do movimento negro é a favor: para eles, esse tipo de racismo significa o reconhecimento de uma realidade, e apresenta maiores possibilidades de enfrentamento e ação. Por isso, inclusive, usam a expressão "negro," ao invés de "preto" e "pardo," o que é no mínimo problemático no estado atual. Bem, as expressões do IBGE também são; o ideal seria ou bem uma pergunta aberta, ou bem algo como Preto, Negro, Mulato, Moreno, Claro, Branco, Escuro.

Existem diversas formas de programas de ação afirmativa. Aquela que passou a dar nome a todas no Brasil, as cotas, foi considerada inconstitucional nos EUA, e consiste em reservar determinado número de vagas em um processo de seleção. Outras formas comuns são programas de apoio direcionado (eg os cursinhos para "afrodescendentes") e pontos de classificação (eg o candidato favorecido tem direito a 20 pontos a mais no vestibular), além de cotas informais ("recrutadores, tentem arrumar uns neguim aí no meio"). Cada sistema tem suas vantagens e desvantagens, about which more later. Apesar de distorcerem resultados pretensamente meritocráticos, nenhuma delas é, como alegado, uma abdicação da meritocracia. Isso porque é razoável supor que alguém que conseguiu tirar 70 numa prova, apesar de sofrer com o racismo da professora, com a falta de tempo pro estudo, de livros, de cultura familiar transmitindo valores culturais e até informação propriamente dita, e com uma escola mal equipada, seja pelo menos tão competente quanto alguém que tirou 95 com acesso a todas essas coisas mais cursinho de elite.

O exemplo é, admito, um pouco forçado. Isso porque o alvo principal da ação afirmativa não é o miserável, mas uma classe média-baixa negra emergente. No Brasil, quem chega ao final do segundo grau já chegou bem mais longe do que a maioria dos cidadãos, que dirá dos cidadãos pretos e pardos. E isso não é desculpa pra "Elite branca" (C)Cláudio Lembo ser contra a ação afirmativa. Se a idéia não é eliminar a elite, levelling o Brasil, fazer com que a elite seja, como a população em geral, "miscigenada e colorida" deveria ser exatamente o objetivo.