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20.8.09

Toro toro toro - marítimas II

Quando amigos meus do Rio vêm pra São Paulo, quase sempre falam em "comer sushi na Liberdade." E eu tenho que explicar pra eles que não tem sushi bom e barato na Liberdade, ou melhor, que não há relação nenhuma entre sushi e a Liberdade, pra mal ou pra bem. (Na verdade existe um excelente sushi no bairro, o Yassu.) Isso porque, quando os imigrantes japoneses vieram pra cá, não existia sushi como conhecemos hoje. O que era chamado de sushi à época era um peixe fermentado junto com arroz, mais ou menos similar ao surströmming sueco, feito com peixes de segunda que assim eram preservados por mais tempo. Longe da idéia de asseio que se tem quando pensa em sushi hoje em dia, o sushi era conhecido pelo fedor. O Akutagawa Ryunosuke, dos primeiros grandes escritores "à ocidental" japoneses, adorava, mas sacaneia o sushi de então o tempo todo - numa passagem narra como um cego sabia que estava chegando à cidade pelo cheiro das barraquinhas de sushi em torno do portão, proibidas de circular dentro da cidade; em outra, compara o cheiro ao de um rato morto.

O sushi como no-lo conhecemos, em que o principal ingrediente posto em cima ou dentro do arroz é o peixe cru, obviamente, depende da invenção da geladeira, e ficou realmente popular no Japão ao longo dos anos 20. E com essa popularidade, especialmente depois que o Japão ficou rico no pós-guerra, alguns peixes que antes eram completamente ignorados pelos pescadores japoneses viraram vedetes culinárias. O principal deles foi o atum azul - que já era pescado no Mediterrâneo desde a antiguidade, mas não era considerado peixe que se apresentasse pelos japoneses. Aliás, nem no Mediterrâneo - ele era salgado ou defumado pra ser vendido como proteína barata, como o bacalhau no Mar do Norte.

O atum de sushi não é o mesmo peixe que o atum enlatado; são espécies inteiramente diferentes. O atum enlatado enquanto nada se chama cavala, e é bastante abundante mundo afora. O atum propriamente dito, azul ou amarelo, também é extremamente comum - o problema é que, depois que inventaram o sashimi, a pesca dele ficou um tiquito demais. Quanto demais? Mais de três milhões e meio de toneladas de atum pescado demais. Pra por isso em perspectiva, isso quer dizer que tiram do mar atum o suficiente pra soterrar uma cidade do tamanho de Campinas. Todo ano. E aí, bem, o bichinho* tá em extinção.

Foram feitas várias tentativas, pelos diversos Estados em cujas águas se encontra atum e pelas organizações internacionais, de se controlar a pesca do atum, especialmente a do atum azul austral, o mais ameaçado. Todas elas foram ignoradas pela pesca industrial (pisconegócio?), seja na cara dura e através de suborno, seja através de maneiras criativas, como no mediterrâneo, em que atuns juvenis são capturados e engordados até chegarem ao tamanho mínimo para o abate. Fala-se dos pobres marinheiros capturados pelos piratas somalis, mas boa parte desses marinheiros estavam na Somália justamente porque, faltando Estado, lá podiam capturar atum impunemente. Pirataria também, de certa forma.

Hoje, o equipamento das frotas atuneiras está bem longe dos labirintos da Sicília etrusca. São navios de 200m de comprimento com fábricas internas e frotas de aviões com equipamento sensor para idenfiticar os cardumes. Faz sentido, já que um atum pode rodar até mil dólares o quilo no mercado de peixes de Tsukiji, em Tóquio. E, perversamente, quanto mais o peixe vai chegando perto da extinção, mais fica caro e vai aumentando o incentivo para pescá-lo a qualqur custo. Um dia, vai chegar ao ponto do bacalhau, que já foi o peixe mais abundante do mundo e hoje custa, por baixo, cem reais o quilo. (Do bacalhau verdadeiro, Gadus morua, chamado de bacalhau porto no Brasil. Os outros bichos vendidos como bacalhau no Brasil são de outras espécies.)

Duas notinhas pra chamar pro Brasil esse lamento de alguém que continua comendo maguro e se sentindo culpado por isso:

1. O governo criou uma secretaria, agora ministério, para incentivar a pesca. Inda se fosse a aquicultura...porque as águas brasileiras, pobres em pescado à exceção dos extremos sul e norte, já são sobrepescadas. É como se criassem um ministério da lenha pra incentivar o desmatamento.

2. A marinha, tão preocupada com hipotéticos e inúteis submarinos nucleares, não tem meios de impedir que três quartos da pesca em águas profundas no litoral brasileiro sejam praticados, ilegalmente, por barcos estrangeiros. Custaria, para adquirir esses meios, mais ou menos o preço de um dos quatro submarinos convencionais comprados da França.




*O "bichinho" na verdade é um monstro que pesa até meia tonelada e consegue passar dos 70Km/h, ou ficar meses a fio nadando a 40Km/h. Pense nisso da próxima vez que enfiar um sashimi na boca.

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