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23.3.10

De Royalties e Rendas

Legal a aliteração, né? Stan Lee ficaria orgulhoso. Enfim: de toda a grita pela emenda Ibsen, que destina os royalties aos fundos de participação subnacionais, fiquei mais interessado, fora o absurdo da emenda, numa tangente.

Primeiro, sobre a notícia em si: a emenda Ibsen é surreal, ilegal, e baseada numa falácia. Royalties são (na acepção de que se trata) uma renda que é paga pelo explorador de um recurso natural à região de origem daquele recurso. No Brasil, curiosamente, os royalties pagos são maiores no caso da exploração de hidrocarbonetos que na exploração de outros produtos minerais - curiosamente porque nós não exportamos hidrocarbonetos, então quem paga a conta somos nós mesmos, e o contrário é verdade no caso dos outros minerais. Essa situação se dá como um jeito canhestro de corrigir outra distorção: devido ao lobby da FIESP à época da Lei Kandir, o ICMS de hidrocarbonetos não é cobrado no estado produtor, como ocorre com todos os outros produtos, mas no estado consumidor. Os royalties mais altos de petróleo seriam uma forma de compensar o Rio de Janeiro pela perda do ICMS.

Agora, pela emenda Ibsen, essa compensação some, e os royalties sobre hidrocarbonetos (e nenhuns outros) seriam desvinculados da origem. Ora, aí você descaracteriza um royalty (pela definição, inclusive, presente na constituição - dí o "ilegal"). Se não tem vinculação à origem, trata-se tão-somente de uma alíquota maior de IPI sobre hidrocarbonetos, mas com um pouco mais de trabalho pro pessoal da contabilidade. Isso é feito em nome da "justiça social," o que além de hipócrita é uma falácia. Se realmente se pensasse desse jeito em geral, Ibsen advogaria pela redistribuição dos royalties de outros produtos, e, quem sabe, do ICMS, IPTU, ITR... e, mais importante ainda, destinaria essa grana, não ao FPM, que serve basicamente para sustentar câmaras de vereadores, mas a investimentos em educação, meio ambiente, e infraestrutura regionais. E nem é tanta grana assim, relativamente falando - os royalties auferidos anualmente somam uns 7bi, mais ou menos um sétimo do valor do FPM ou do FPE. Um quatorze avos dos dois combinados. E é falácia, ademais, porque os municípios do norte fluminense e sul capixaba são pobres e de economia estagnada, e pesadamente impactados pela extração petrolífera.

A questão é que os royalties do petróleo assumiram, no Brasil, uma qualidade algo mítica, de corrida do ouro. Isso pode ser visto no degrau mais baixo da pirâmide social, nas pessoas que enchem as favelas do norte fluminense, como no mais alto, nos deputados do congresso se atirando ao dinheiro dos royalties como se fosse solucionar todos os problemas de seus estados.

Agora, passando à tangente, que me interessou mais. Muita gente usou, pra justificar o "redistributivismo" de fancaria, a renda média do Rio de Janeiro como prova de que este não precisa de receber dinheiro pela atividade econômica ocorrida lá. E, bem, renda média não quer dizer muita coisa. A renda per capita, que é a divisão do produto bruto de uma região pelo número de seus habitantes, é um número tosco que obedece ao velho adágio da cabeça no fogão e pé na geladeira. Assim é que a renda média da cidade do Rio de Janeiro é superior à da cidade de São Paulo, apesar de na prática esta ser mais rica no geral - é que há relativamente mais muito ricos e estes são mais ricos no Rio.

O curioso é que a maioria dos países continue usando a renda per capita como indicador, como o faz a própria ONU. Curioso porque a renda mediana das famílias, indicador de prosperidade utilizado nos EUA, Canadá, e Escandinávia, está longe de ser um bicho papão complicado, novidade, ou nebuloso. Muito pelo contrário - os censos franceses do século XVIII já a utilizavam (falava-se, na época, em "fogos" ao invés de famílias). Renda mediana significa, caso alguém não saiba, que metade das famílias ganha mais, metade ganha menos do que uma dada quantia.

E não, quando se faz esta clivagem, as enormes diferenças regionais do Brasil não somem, nem de longe. Em termos relativos, as poucas grandes diferenças: o Rio deixa de rivalizar com SP para se juntar aos estados do Sul, e Minas vai mais solidamente pro meio do Nordeste. O Maranhão e o Piauí, por outro lado, deixam de estar tão distantes do resto do Nordeste. O DF continua isolado lá em cima. E, claro, ao contrário da renda per capita, a renda mediana brasileira não chega perto das do Cone Sul ou dos lanterninhas europeus.

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