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1.2.11

All the news that's fit to paste

O Egito é o maior país do mundo árabe, com 80 milhões de habitantes - mais que o dobro do Sudão, segundo colocado. É também um dos países mais influentes no Oriente Médio, com (entre otras cositas más) boa parte da base intelectual do fundamentalismo islâmico, relações próximas com Israel (o país recebe, por tratado, 2/3 da ajuda externa que Israel recebe, desde os acordos de Camp David), e uma influência "moderadora" sobre seus primos menores. Controla o canal de Suez, por onde passam, além de uma quantidade de petróleo equivalente ao total consumido pelo Brasil, boa parte das cargas do mundo - o tal petróleo representa uns 4% dos navios passando por ali. É dos lugares com as civilizações mais antigas do mundo, e, graças ao clima desértico, com das maiores proporções de artefatos preservados, que levam hordas de turistas para o Egito (e para os museus da galera que roubou eles de lá).

Desde o dia 25 de Janeiro, protestos maciços vêm acontecendo em todo o Egito, contra o regime do ditador Hosni Mubarak, que subiu ao poder com a morte de Anwar Sadat em 1981. (O assassino, um fanático fundamentalista islâmico, teria gritado "Matei o Faraó!") No sábado à noite, em particular, o crawler da CNN, e de boa parte dos jornais do mundo inteiro, lia "polícia some das ruas do Cairo" (escorraçada pelos manifestantes). O Cairo, só pra lembrar, tem sido das cidades mais importantes do mundo desde quando Paris era só a ilha onde os descendentes de Hugo Capeto ainda controlavam pouco mais que o território a que hoje se chega de trem de subúrbio, e Moscou, Pequim, nem Berlim nem ou mal existiam.

Os protestos no Egito fazem parte de uma onda de protestos em toda a África do Norte, mais o Iêmen, que começou em 17 de Dezembro, com a autoimolação em protesto de um estudante tunisiano. Na Tunísia, o ditador Zine el Abidine Ben Ali foi deposto. São, os países da África do Norte (de novo, mais o Iêmen, e mais a Síria), todos ditaduras militarísticas (mas não propriamente militares), aliadas aos EUA e à Europa em diferentes graus, e raivosamente laicas, ao contrário do outro conjunto de ditaduras americanófilas árabes, os principados do Golfo Pérsico. Nesse sentido, a conquista da Arábia Saudita inteira pela casa de Ibn Saud e pela seita Uarrabita no ocaso do Império Otomano fez com que a região do Hadramaut, onde ficam Meca e Medina, se descolasse do seu continuum natural, que sempre foi essa região mais do que a costa do Golfo. (Afinal, o pior deserto do mundo fica entre Meca e os portos do petróleo.)

Então, quando está uma comoção dessas acontecendo no mundo, sobre o que falam as capas das revistas noticiosas brasileiras no fim de semana terminado em 31 de Janeiro? Os temas são "Luciano Huck e Angélica, os bons moços," "Saiba tudo sobre o mercado de imóveis," e "Pastor Valdomiro, o grande comunicador."

Pode ser que sejam matérias pagas, ou não. Faz sentido que sejam: Veja e IstoÉ são elogios pessoais, e Época um guia de mercado. Luciano Huck foi alvo de protestos quando tentou alavancar a simpatia pelas vítimas da tragédia na Região Serrana fluminense para aumentar o número de associados de seu site de compras, a IstoÉ é conhecida pelas matérias pagas, e a capa de Época poderia muito bem pertencer a um encarte da associação comercial. Mas é irrelevante se são ou não, porque mesmo matérias que não são pagas são realizadas, hoje em dia, aparentemente ou copiando o press release (lembro de uma matéria no Valor, que ainda é o melhor atualmente, na qual nem mudavam a pessoa da ação) ou pelo menos com espírito de press release.

Exemplo disso são as matéris, num tom que caberia acompanhar com um coro do exército vermelho cantando o hino nacional da União Soviética (não confundir com a Internacional), sobre as UPPs cariocas e seus reflexos. Por exemplo, esta matéria do Globo sobre os novos empreendedores nas favelas "pacificadas." A matéria poderia muito bem ter sido escrita pela própria polícia. Não é que eu seja contra as UPPs, veja bem. Aliás, acho que o clima otimista da matéria é até relativamente justificado. Entretanto, eu, que não sou lá exatamente a pessoa mais íntima do assunto nem mais perceptiva do mundo, teria algumas perguntas desconfortáveis a fazer sobre a matéria, e não passei um minuto, que dirá um dia na Santa Marta pesquisando.

Assim, não vi menção ao zoneamento funcional da área urbanizada, nem questionamento das possibilidades ruins de relacionamento entre o comércio local e a polícia (que são simbolizadas em todo o Brasil pela "cervejinha do guarda" mencionada e justificada, e vão, Brasil afora, do achaque brando ao esquadrão da morte), nem nada falando sobre a especulação imobiliária ou processos de gentrificação. E isso tudo está presente, sem nenhum questionamento, na leitura da própria matéria. Não seria necessário nenhum jornalismo investigativo pesado, arriscado, capa e espada.


PS Respondendo à briga Dona Marta/ Santa Marta: O primeiro é nome do morro, o segundo da comunidade - e as origens deles não têm nada a ver uma com a outra. O morro tem o nome da mãe de um antigo proprietário, a comunidade da capela em volta da qual os primeiros habitantes se instalaram.

PPS A Vale (ex- do Rio Doce) disputa uma mina de carvão gigante na Mongólia, em Tavan Tolgoi. Por coincidência, é um dos locais mais ricos em fósseis do mundo - foi lá que acharam o velocirraptor. Será que alguém vai char algum fóssil no carvão? Achando, vai pro forno?

Um comentário:

Marcus Pessoa disse...

Seus posts são tão completos que muitas vezes nem sei o que comentar.

Queria apenas dizer que gostei muito desse.