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8.2.11

Diamantes da rainha

Uma das jóias da coroa do sistema educacional e cultural brasileiro é o "Sistema S," especialmente os SESCs do estado de São Paulo. Não há quem não elogie algo como o SESC Pompéia, da arquitetura do local à qualidade dos eventos e cursos disponíveis ali, e os cursos do sistema S são geralmente considerados dos melhores cursos técnicos disponíveis no Brasil. Neste exato momento, o sistema, graças a uma correção de custos que poderia ser acertada com o governo, é a grande esperança da presidenta Dilma para cumprir sua promessa de expandir a quantidade de vagas no ensino técnico, de que o Brasil tem necessidade urgente.

E pur, este post é uma chamada à sua dissolução, ou pelo menos à sua refundação. Porque o sistema S, criado inicialmente pelo Estado Novo, o sistema coaduna bem com os ideais fascistas-corporatistas daquele período. Afinal, tire-se a ditadura e a xenofobia, e o fascismo nada mais é do que a expressão máxima do dito de que "o que é bom para a GM é bom para os Estados Unidos." É o corporatismo, em que a disputa entre grupos na sociedade é sublimada (ou antes reprimida a ferro e fogo, na realidade), e empresas e estado formam um todo contínuo a tutelar trabalhadores felizes. Assim, a contribuição legalmente obrigatória ao sistema é gerida, não pelo estado, sequer por órgãos independentes colegiados, mas pelas respectivas associações empresariais. O SENAI/SESI é gerido pela CNI, eg.

Qualquer um que não subscreva ao ideal do estado corporativo fascista pode, imagino, perceber sem muita dificuldade os problemas envolvidos em se entregar o principal sistema de educação profissional do país aos empresários da área, sem controles externos (governo e trabalhadores têm apenas um arremedo de controle na estrutura do sistema S, que é presidido estatutariamente pelas confederações patronais). Ou de se entregar a uma entidade dirigida pro empresários, sem controle externo, dinheiro de impostos. Mas a coisa não para por aí. A administração do SESC é descentralizada - que bom, não? Não, porque isso inclui a arrecadação e o dispêndio. Assim, os estados mais ricos e com mais emprego formal gozam de mais dinheiro (público) tanto para o ensino técnico quanto para atividades recreativas e culturais.

O resultado é mais uma faceta de um Brasil profundamente desigual: não apenas o nosso sistema de arrecadação e dispêndio concentra (hoje menos) riquezas nas mãos de classes sociais mais ricas, mas também nas mãos dos estados mais ricos; e o SESC é objetivo de fundos complementares do governo, periodicamente. Ao contrário da maioria dos países, em que regiões mais ricas subsidiam as mais pobres num esforço de equalização, no Brasil é o contrário.

A solução nem é particularmente complicada: demova-se as confederações patronais de sua liderança automática para fazê-las serem apenas parte do conselho que elegeria livremente a administração, junto com os trabalhadores e o governo federal; faça-se com que a arrecadação seja nacional, e distribuída entre os SESCs estaduais numa base per capita - não dos trabalhadores registrados no setor, mas da população (ou, para realmente inverter o hoje praticado, per capita ponderada pela renda inversa).

E este último ponto é o problema principal, e insanável, do SESC a meus olhos: para ele, o cidadão e o trabalhador se confundem. Só é cidadão quem produz. Admita-se, é mais razoável do que o cidadão-consumidor ou até o cidadão-contribuinte, mas ainda assim é problemático, de um ponto de vista humanista - e mais ainda ao se lembrar que se está falando, não de todo mundo que trabalha, mas daqueles inseridos em relações de trabalho formais, o que ainda está longe de representar a maioria da sociedade brasileira. E quando contrastado o sistema S com a penúria de ofertas educacionais e culturais de baixo custo na sociedade brasileira em geral, fica inevitável a idéia de que o SESC cria uma clivagem a mais entre proletários e lumpens - pelo menos originalmente, de forma deliberada.

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