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24.5.11

For them it was tuesday

Street Fighter, surpreendentemente, não é tão ruim quanto a média dos filmes baseados em videogames. Aparentemente os criadores e elenco, principalmente Raul Julia, se divertiram pra caramba e não levaram aquela coisa ridícula a sério, e isso transparece na tela. Numa cena memorável para estabalecer que o vilão é mau como o Pica-Pau, uma das mocinhas trava com ele o seguinte diálogo:

Chun-Li: It was twenty years ago. You hadn't promoted yourself to general yet. You were just a petty drug lord. You and your gang of murderers gathered your small ounce of courage to raid across the border for food, weapons, slave labor...my father was the village magistrate. A simple man with a simple code: justice. He gathered the few people that he could to stand against you. You and your bullies were driven back by farmers with pitchforks! My father saved his village at the cost of his own life. You had him shot as you ran away! A hero... at a thousand paces.
M. Bison: I'm sorry... I don't remember any of it.
Chun-Li: You don't remember?!
M. Bison: For you, the day Bison graced your village was the most important day of your life. But for me... it was Tuesday.


Pois bem, levando isso à vida real: uma das noções recorrentes quando se explica a dinâmica, muitas vezes assassina, das relações de poder mundial é que a pobreza e miséria em países periféricos sustentam a riqueza dos países centrais. Como diria o Malcolm X, "no final das contas, o edifício todo se sustenta nas costas daquele mineiro na África." A noção é, evidentemente, contestada por aqueles que tentam justificar o sistema mundial de dominação e produção, mas o curioso é que essa necessidade não é necesária como explicação em nenhuma narrativa "afro-asiática." E, bem, não é tão verdade assim, pelo menos não no presente e em geral.

Ela é obviamente verdadeira e real para as grandes potências no auge do período imperialista, mas depois da era de ouro do pós-guerra se tornou bem menos; assim, pode-se dizer, eg, que mesmo países sem dominação colonial própria, como os escandinavos, puderam se dar ao luxo de se especializar em trabalhos no topo da cadeia profissional porque há os países que ficaram no fundo. Só que a exploração mineral, o literal mineiro na África do Malcom X, é muito capital-intensiva e pouco demanda de trabalhadores; mineiros poderiam ser tão bem pagos na Zâmbia quanto no Canadá, que isso não inviabilizaria o negócio de níquel e cobre. Se comunidades nigerianas e cabindesas cobrassem royalties sobre o petróleo como o fazem as norueguesas e escocesas, do mesmo modo isso não seria nada proibitivo. Poderia afetar o lucro, mas não muito. E o comércio internacional não é essencial para a maioria das economias do planeta, e era ainda menos durante os anos 50-80.

Em outras palavras, e com a exceção de estratégias deliberadas de ferrar com os pobres como a Total Strategy da África do Sul nas últimas décadas do Apartheid, as grandes empresas, e as grandes potências, não ferram com os mais fracos, e principalmente com a África, porque precisam fazer isso, mas porque é conveniente. Faz a margem de lucro passar de 17,6 para 21,2 pontos percetuais. Por horrível que seja pensar isso, pessoas morrem de fome, de bala, de doença, não para que executivos tenham uma vida confortável em Nova Iorque, mas para que essa vida confortável valha marginalmente mais dinheiro. A troco de quase nada.

A percepção, é claro, se por um lado faz dos exploradores deste mundo ainda mais horríveis, por outro tira a imagem de força do explorado. A visão de Malcolm X faz do mineiro africano quase o Orc de Blake; a de que vidas são destruídas sem necessidade nenhuma está mais para fazer dos executivos um monte de Pères Ubu.

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