Pesquisar este blog

18.5.11

Lugares estranhos de todo o mundo

Uma das coisas que me irritam em muito da ficção científica, principalmente a audiovisual, é o quão pouco alienígenas são as paisagens alienígenas. Guerra nas Estrelas, claro, é praticamente a reductio ad absurdum disso, na qual os planetas bem poderiam ser, cada um deles, uma cidade, e geralmente uma cidadezinha, com seu ecossistema único; é o planeta árido, a lua floresta, o planeta gelado... na ficção científica escrita, a coisa é menos grave, e inclusive, naquela que chamamos de ficção científica "dura," a descrição de ambientes estranhos é frequentemente metade da graça da narrativa.

Que lugares o capitão Kirk ou Luke Skywalker já visitaram, por exemplo, mais estranhos do que a floresta amazônica de várzea? Nela, durante as cheias, a água sobe até quinze metros acima do chão. Assim, temos golfinhos pré-históricos nadando por entre troncos de árvores e sobre tocas de antas e porcos do mato, às vezes comendo um esquilo desgarrado ou outro. As águas por onde nadam são classificadas entre os rios brancos, azuis, negros, e pardos - os últimos são os rios cheios de lodo comuns no mundo inteiro, os dois primeiros se carregam, como na Islândia, de sedimentos coloridos, e os negros são rios cheios de húmus vegetal, com águas cor de coca-cola. Nos cursos principais dos grandes rios, gordos de mais de légua ou, no caso do próprio Amazonas e do Negro, mais de dez léguas, cardumes de golfinhos mais comuns caçam peixes e seguem navios como se do mar se tratasse.

Falei da Islândia? Pois na Islândia, e em outras regiões vulcânicas próximas aos polos, vivem ecossistemas de cabeça pra baixo, em que a energia não vem da luz solar, mas das profundezas da terra, com todos os parâmetros comuns à vida que conhecemos invertidos, e uma fauna e flora que nada devem em variedade às suas congêneres mais comuns. Que nem são tão mais comuns assim - os continentes e as águas rasas do oceano podem cobrir o planeta, mas dois terços dele também são cobertos pelos fundos dos mares, e a maior parte do volume marinho fica sem luz o ano inteiro. Tudo abaixo de 200m, e o mar tem em média 3.000m de profundidade. Eu aproveitaria para falar da neve de corpos que alimenta esses ecossistemas sem luz nem calor, mas a verdade é que não apenas eu mas mesmo os oceanógrafos conhecem ainda muito pouco dessa que é a metade, em volume, da biosfera.

OK, talvez não a metade em volume. Falei isso pensando apenas no ar e no mar, aonde vivem os organismos em que pensamos quando nos vem à mente a palavra "vida." Mas cada vez mais se descobre que existe vida - não alguma coisa exótica baseada em outras cadeias químicas, mas vida mesmo, de carbono, hidrogênio, e oxigênio - em boa parte da crosta terrestre, em condições que imaginávamos literalmente inabitáveis até há pouco tempo atrás. Boa parte das bactérias e dos archaea - um reino inteiro da existência, que só foi ser descoberto nos anos 1970 - são extremófilos, e vivem vários quilômetros crosta abaixo, em meio a rochas que só são encontradas por sondas de petróleo e olhe lá; alguns são capazes de se reproduzir a mais de 100ºC. (Nem todos os extremófilos são micróbios - o krill, o camarãozinho que serve de presa principal das grandes baleias e é das espécies mais significativas na biomassa total do globo, rivalizando com grama e seres humanos, é um deles, vivendo a vida inteira a quase zero grau.)

A Terra é muito mais esquisita do que se pensa. Urge trabalhar para que ela continue assim.

Nenhum comentário: