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31.5.11

Nature red in tooth and claw

TIGER, tiger, burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

Difícil encontrar unanimidade maior do que a de que gatos são um bicho fofo. Olha que bonitinho, o gatinho brincando com o novelo! Et pourtant, gatos são um dos maiores problemas ecológicos do mundo, responsáveis por maiores perdas de biodiversidade do que todos os pukka sahibs e Hortelinos Troca-Letras com suas espingardas. Afinal de contas, venhando e convenhando, qualquer dono de gato sabe que, ao contrário dos cães, eles são carnívoros exclusivos. Os romanos, antes de a moda vinda do Egito de criar gatos se espalhar pelo império, descreviam eles como "panteras em miniatura." (Conheci um gato vegetariano que, sabe-se lá como, sobrevivia. Mas não é o normal.) Pior do que isso: como todos os mamíferos carnívoros, o gato mata mesmo quando não precisa, por brincadeira. Ao contrário dos gatos selvagens, os domésticos e semidomésticos, alimentados fartamente à base de ração, não vão morrer se matarem todos os animais que podem lhes servir de presa - e é exatamente isso que eles fazem.

A solução, claro, é espinhosa. O artigo do IBAMA australiano ligado acima fala de gatos mustangues, gatos domésticos tornados em selvagens, e estes são relativamente "fáceis" de se lidar; longe dos olhos da maioria das pessoas, são exterminados como qualquer outro predador invasivo o seria. Nem tão fácil assim, em termos práticos, já que é um predador relativamente inteligente, furtivo, capaz de subir em árvores e que se reproduz mais ou menos rapidamente. E, o pior, um predador cujo rebanho é reabastecido com espécimes de fora da área controlada, vindos de áreas domésticas.

E esse é o busílis da questão: quanto mais próximo de habitações humanas, mais difícil se torna controlar os gatos, por conta dos laços afetivos estabelecidos entre eles e os seres humanos. É difícil falar em controlar a população de gatos em parque, ou mesmo de impedir que eles sejam alimentados à farta. É mais difícil ainda, quase impensável, falar em controlar gatos domésticos, do tipo que vive entre a casa e o ninho de passarinho da árvore vizinha. Falo de laços afetivos, e não de questões éticas ou morais, que é o discurso no qual muitas vezes se insere o tratamento a gatos e cães, porque sinceramente, para mim qualquer relação moral a se estabelecer com bichos deve se pautar como critério de distinção entre espécies animais pela inteligência (e possível consciência) dos mesmos, caso em que os porcos são provavelmente mais merecedores de consideração que os cães, e sem dúvida alguma do que os gatos. E, se há quem questione a criação de porcos para comer, menos gente acharia um absurdo matar javalis e porcos escapados que estão destruindo passarinhos e micos-leões-dourados.

Não que eu esteja simplesmente fazendo pouco desses laços afetivos. Primeiro porque quem faz pouco de laços afetivos é autista, ou escroto, ou tecnocrata no pior sentido (que não deixa de ser uma forma institucionalizada de autista escroto); segundo porque seria imbecilidade. Fora de ditaduras, ou de semiditaduras à Cingapura, a parte relações públicas de qualquer esforço público deve ser considerada, e qualquer governante que falasse "vamos exterminar os gatos sem dono" seria crucificado em praça pública antes mesmo de ser assinado o termo de seu impeachment. Com a polícia ajudando a tacar ovo e embebendo esponja em vinagre pra matar sua sede.

Uma política de mitigação de danos já experimentada, para além de pedir que as pessoas tranquem seus gatos em casa e da castração dos animais de rua, tem sido enfiar coleiras com guizos (não os bonitinhos de antigamente, mas uns integrados, difíceis de tirar e que não atrapalham os gatos de outra forma) nos bichanos para que eles pelo menos façam barulho ao andar. Não ajuda no caso de um ninho, nem numa área barulhenta, mas já é um passo. Mas eu prefiro adicionar a essa uma solução mais radical, mas interessante até porque não apenas não vai contra a afeição das pessoas pelos gatos como, pelo contrário, se trata de defendê-los: é a proibição pura e simples da criação comercial de gatos (e cães também, por que não?). Pet shop serve pra vender artigos para bichos, não os próprios bichos. Com isso, o número de animais, principalmente de animais abandonados e mal criados, cairia drasticamente.

Sim, eventualmente todas as raças caninas e felinas desapareceriam qua raças. Existiriam gatos que se pareceriam com os siameses ou persas descritos em textos do começo do século XXI, mas seriam obra do acaso do destino. Não é um custo tão alto assim a se pagar em troca de impedir que literalmente milhares de espécies animais desapareçam, ou pelo menos adiar um pouco esse desaparecimento.

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