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29.6.11

Dez anos de ação afirmativa, e a repetitiva miséria da estatística

Dez anos depois de iniciada a ação afirmativa pública beneficiando negros (não custa lembrar, de novo, que a ação afirmativa beneficiando brancos existiu no Brasil), sai uma matéria da Folha sobre o assunto, baseada na PNAD.

A matéria é mal escrita toda a vida, não sei se porque quer forçar a barra para dizer que as cotas são inúteis e o setor privado melhor ou pela costumeira falta de familiaridade com as estatísticas. A chamada é "Após dez anos de cotas, crescimento de pretos e pardos foi menor nas públicas." Ora, (e o que faz talvez pender a conta para a má-fé contra a burrice), em momento algum ela fala da proporção dos negros no ensino superior privado, só nas universidades públicas e na população em geral. Então, mesmo deixando de lado os fatos que explicariam muito bem um crescimento tendencial (isso é, na hipótese sem as cotas para o período) muito menor dos negros nas públicas, não é possível, apenas pelos dados apresentados na matéria, sequer concluir se a alegação dela é ou não verdade. O que eles apresentam é que o número de alunos negros em universidades privadas aumentou mais, em termos absolutos, do que nas públicas, assim como o número de alunos em geral. Assim:


Dados tabulados pela Folha a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE mostram que, no ensino superior, a proporção de auto declarados pretos e pardos cresceu de 21% para 35% de 2001 a 2009.

No ensino superior público, o aumento foi de 314 mil para 530 mil, uma variação de 69%. No privado, o crescimento foi de 264%, de 447 mil para 1,6 milhão. No total da população, a proporção desses grupos variou de 46% para 51%.


Cavucando um pouco, vê-se que eram, em 2009, cinco milhões de alunos em universidades particulares, o que faz os 1,6 milhões de negros mencionados representarem algo como 32% do total - índice um pouco inferior ao das públicas. Em 2001, de novo cavucando um pouco, vemos que haviam 2,091 milhões de estudantes em escolas particulares, dos quais os 447 mil negros representavam 21%. Índice, à época, exatamente igual ao das escolas públicas, portanto. IE foi nas públicas que a proporção de negros avançou (um pouquinho) mais.

E isso, claro, sem levar em consideração que, no Brasil, as universidades públicas são as melhores universidades, com exceções pouco significativas estatisticamente - as universidades católicas, as luteranas, a FAAP, a Cândido Mendes e o IBMec, e que portanto o impacto social de ter acesso a um curso de medicina na USP (ou na UFABC que apesar de novinha já é, por índices bibliométricos, a melhor do Brasil) não é o mesmo de ter acesso a um curso de direito na Universo ou na Uniban. Ou que, vendo a coisa pela outra ótica, é mais fácil para a classe média baixa a que pertence a maioria desses estudantes negros passar para uma dessas universidades particulares, sem sistema de ação afirmativa.

Um comentário:

Leonardo disse...

só uma pequena correção não importante: não há curso de medicina na UFABC, de onde estou falando neste instante.