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24.6.11

Lugares estranhos do mundo XIII - Ar condicionante

É geralmente sabido que o acesso dos mais pobres a diversos bens considerados essenciais é mais restrito que o dos mais ricos. É por isso, afinal de contas, que são pobres, ou miseráveis, ao invés de simplesmente "não ricos." O que cada vez mais se nos damos conta, entretanto, é que o rol desses bens não inclui apenas aqueles que são diretamente objeto de trocas comerciais, como comida, roupa,
moradia, ou bens duráveis em geral, como educação ou transporte, ou mesmo àqueles cujo status comercial é questionado, como água. O ar, por exemplo, ou o clima, são também apanágio dos ricos. Acontece mundo afora, graças à diferença de urbanização; os bairros ricos, com muito verde e ocupando áreas que já eram mais desejáveis, são mais agradáveis. Mas o exemplo mais bizarro disso, sem sombra de dúvida, fica na capital* da Bolívia, La Paz.

La Paz é basicamente uma imensa tigela irregular ou anfiteatro, esculpida pelo rio Choqueyapo no altiplano andino, segundo planalto mais alto do mundo. O ponto original de fundação da cidade era no alto do planalto, uma parada na rota dos tropeiros entre a antiga capital inca, Cuzco, e o Potosí, a "montanha de prata" que fez do império espanhol, e do Peru em particular, o lugar mais rico do mundo durante séculos. Os espanhóis se carrearam para altitudes menos extremas depois de poucos anos, porque ninguém gosta de passar frio o ano inteiro e respirar com a ajuda de aparelhos, e em La Paz a descida e subida não eram tão íngremes que inviabilizassem a comunicação com o altiplano, como em outros vales andinos.

Mais recentemente, entretanto, gente que não tinha muita escolha foi empurrada para cima pelo esgotamento dos terrenos no vale, em volta dos depósitos ferroviários e aeroporto do distrito, hoje município, de El Alto. Pelo nome já deu pra sacar que o lugar é meio lá em cima, não? A diferença de altitude entre o núcleo original de povoamento espanhol, hoje considerado a parte nobre da cidade, e o altiplano circuncidante, onde ficam os pobres, é de um quilômetro. La Paz tem altitude "média" de 3.650msnm, o que já é alto pra chuchu. Mesmo o núcleo nobre, a 3000 metros de altura, tão alto quanto...pera, não tem nenhuma cidade no Brasil dessa altura - Campos do Jordão fica a 1600. Lhasa, no Tibete, a do Dalai Lama, fica a 3450. Aliás, tá aí: falando do Tibete, a ferrovia Qingzang, inaugurada há nem tanto tempo pela China, disponibiliza tubinhos com oxigênio para os trechos acima de 4000m de altura, a altura de El Alto.

Índice de pessoas com alta taxa de hematócritos
Sim, isso quer dizer que em La Paz, não apenas os pobres não têm ar como a cidade se irmana à Zona Sul do Rio de Janeiro, com os pobres ocupando os píncaros e os ricos os baixios. A diferença, claro, é que enquanto o clima do Rio é melhor nos morros (o que faz eles serem pouco atraentes são ou bem restrições legais, ou bem o risco de desastres), em La Paz pobre não tem direito ao oxigênio. O que, por sua vez, faz do Rio e não de La Paz um caso único, porque clima melhor para rico, se menos extremo do que na capital boliviana, é uma coisa comum. O jeito corriqueiro de atingir isso, quando não se tem uma cordilheira dos Andes à disposição, é através da arborização e impermeabilização do solo, quando possível acompanhada de corpos d'água. Em São Paulo, por exemplo, a diferença de temperatura no verão entre o setor sudoeste (do Morumbi à Vila Mariana) e os extremos da Zona Leste é de até nove graus Celsius.


*Bem, uma das. A Bolívia, como a África do Sul, tem capitais distintas para cada poder. A capital do judiciário, Sucre, é que é considerada "a" capital na constituição boliviana.

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