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23.11.11

Versailles-sur-Mer




Até a Economist, bastião do liberalismo, faz piada com o fato de a imposição à Grécia de "austeridade" pelos credores não ser lá muito democrática. Entretanto, a própria revista, dessa vez rezando mais ortodoxamente pela cartilha, comete um erro de fato ao dizer, em outra coluna, que "o problema da Grécia é que os gastos são maiores do que as receitas. Ou não exatamente um erro de fato, mas uma pequena confusão útil. É que a Grécia, como o Brasil faz desde 1999, tem superávit primário. Isto é, descontados os pagamentos aos bancos, a Grécia não "gasta mais do que arrecada." É menor do que o brasileiro - da ordem de 1,5% do PIB - mas definitivamente não se trata, olhando para isso, de "gregos perdulários vivendo às custas dos alemães trabalhadores." Aliás muito pelo contrário - a Alemanha está no zero. E teve mais anos no déficit desde 1993 do que a Grécia, que só teve déficits absurdos em 2008 e 2009. E adivinha pra quem, via bancos, vão os juros da dívida grega?

E aí é que está a dupla cruz da questão: o dinheiro apresentado como socorro à Grécia não o é coisíssima nenhuma. É um socorro aos bancos alemães e franceses (principalmente). Se a Grécia tem superávit primário, a austeridade que querem impor aos gregos é maior do que a que seria imposta ao país pelas consequências "naturais" de uma moratória. Evidentemente que os efeitos da moratória não se resumem unicamente ao país não conseguir pegar empréstimos - a Argentina se deu muito bem porque teve a sorte de declarar moratória num momento de valorização de seus produtos e de liquidez farta - mas tão evidente quanto isso é que eles não podem ser piores do que a colher de fel (de cicuta?) que oferecem à Grécia, e que o Papandreou, mais por esperteza que por surto democrático, deixou para os cidadãos decidirem se tomam. (Perdeu o cargo com isso, mas melhor perder o cargo do que ser amaldiçoado até a décima geração. E maldição balcânica pega.)

Se a Grécia pudesse declarar moratória sem "ser punida" pelas instituições transnacionais que de fato controlam sua economia, ela não apenas não teria que cortar gastos porque não teria mais empréstimos. Ela poderia expandir os gastos do governo apenas com o que arrecada. Mas em nome dos bancos franceses e alemães (e britânicos, e suíços, mas esses ficam quietos e fingem que não fazem parte da brincadeira), vão ser impostas medidas "de austeridade" aos cidadãos gregos. Entre aspas, porque aumentar a progressividade do imposto, nem pensar. Cortar gastos militares também não faz parte do pacote. E, como o FMI dos bons tempos dos ajustes estruturais que quase levaram a África para a Idade da Pedra e são lembrados com carinho por aqui, fazem parte do pacote um monte de medidas liberalizantes que não tem nada a ver com a capacidade arrecadatória do Estado, ou até a afetam negativamente, mas são incluídos porque segundo os impositores "no longo prazo, criarão o crescimento." Ora, além dessa sabedoria ser questionável, ela leva a falta de democracia para bem além da necessidade de assegurar o pagamento...

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