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21.12.11

Gênio da raça

Com a admissão pela Vale de que pretende vender os navios adquiridos em 2008 e ainda não entregues, se encerra de vez o ciclo Roger Agnelli na presidência daquela que já foi a maior estatal brasileira, e hoje é a maior mineradora de ferro do mundo. (E monopólio das linhas de trem em Minas e no Pará, e terminais de ferro na maior parte do Brasil, e campeã de ahem "problemas" com povos nativos mundo afora.)

O curioso é que a medida, caso tivesse sido tomada por um ente público, levaria a gritos de impeachment de quem indicou o presidente da empresa. Roger Agnelli, pouco após ser indicado pelo Bradesco para a presidência da empresa (então ainda chamada Companhia Vale do Rio Doce), vendeu a frota própria dela, num momento em que navios estavam baratos e fretes baixos. Em 2008, antes da crise, quando os fretes e navios estavam no máximo, comprou um monte de navios, maiores do que quaisquer outros jamais vistos (o departamento de propaganda cunhou a expressão "valemax," análoga aos panamax, suezmax e outras classes de tamanho de navios, estas baseadas no tamanho máximo que pode passar em dado canal). Ou seja, vendeu barato, comprou caro, e agora vai ter que vender barato de novo pra minimizar o prejuízo (a venda é obrigatória, agora, porque Agnelli não se certificou com ninguém de que seus navios seriam aceitos nos portos chineses).

O curioso é que nenhuma outra decisão de Agnelli, incensado como gênio na imprensa brasileira, pode ser chamada de genial, para contrabalançar essa imensa defecada. Ele comprou a Inco, canadense, por 18 bilhões - a empresa tem custos muito maiores do que os da própria Vale, que poderia desenvolver minas equivalentes às dela por menos de 4bi. Pensou em mudar a empresa para a Suíça, em comprar mais dúzias de concorrentes (só conseguiu fazê-lo no Brasil, aonde podia quebrá-los com o quase-monopólio sobre portos e ferrovias). E mais nada. A Vale cresceu assustadoramente explorando sua posição dominante, e porque a geração de caixa, já em tempos estatais, era monstruosa. E a empresa, graças à generosidade do governo privatizante, nasceu sem dívidas.

Agnelli era incensado nas revistas de negócios antes por uma questão de alinhamento político-ideológico - representava a correção das privatizações - do que por ter feito algo que pudesse ser de fato elogiado. Agora fica a pergunta de quanto vão vender os livros de auto-ajuda empresarial baseados nele...

13.12.11

Guerra civil I

Eu cá rio um pouco da guerra civil do PSDB, que com a publicação do livro "privataria tucana," de Amaury Jr, entra em sua fase quase declarada. E com a finesse de Aecim, que declarou na maior desfaçatez, enquanto o livro por ele patrocinado contando as mamatas do gentil colega esgota edição:

"[A candidatura do Serra a prefeito] é o sentimento da grande maioria do partido, pela sua liderança, pelas candidaturas que já teve, extremamente competitivo", disse. "Não podemos forçar ninguém a ser aquilo que não quer, mas, no fundo, há uma esperança de que ele seja o candidato."

é digno de

ANTONY. Friends, Romans, countrymen, lend me your ears!
I come to bury Caesar, not to praise him.
The evil that men do lives after them,
The good is oft interred with their bones;
So let it be with Caesar. The noble Brutus
Hath told you Caesar was ambitious;
If it were so, it was a grievous fault,
And grievously hath Caesar answer'd it.
Here, under leave of Brutus and the rest-
For Brutus is an honorable man;
So are they all, all honorable men-
Come I to speak in Caesar's funeral.
He was my friend, faithful and just to me;
But Brutus says he was ambitious,
And Brutus is an honorable man...

Arrisca-se, o nobre senador e playboy, claro, a ver alguma foto sua publicada pelo homem honrado Serra. Não pela Veja, que já o elegeu o super-homem que irá nos salvar do lulocomunismo petista, mas pela Folha, ou pelo Estadão, mais fiéis ao núcleo duro do tucanato paulista. Pelo andar da carruagem, Kassab fez bem em largar a nau tucana, abrindo suas possibilidades de aliança (OK, sua não-aliança é boa inclusive para uma eventual candidatura do PSDB à prefeitura que ele apóie, já que seu índice de rejeição está em 49%), não tanto pela inelegibilidade do Serra quanto pela possibilidade de se ver pego por essa briga - e a um discípulo de Maluf e Pita, não devem faltar esqueletos no armário.

Os petistas, por sua vez, eufóricos com o livro, não vêem que o significado político real dele é muito pouco. Um livro, publicado na entressafra política, não se compara à propaganda constante de qualquer malfeito publicado por qualquer pessoa remotamente ligada ao PT, que aparecerá em tudo que é banca de jornal próximo à eleição. Aliás, é justamente por isso que o livro saiu agora.

9.12.11

Trifecta

Num curto espaço de tempo, o governo Dilma soltou, diretamente ou por conivência com o congresso, três coliformes de vulto: o novo código florestal, a neutralização da lei antihomofobia, e o programa nacional contra o crack. O primeiro acaba com garantias contra o desmatamento que até estados feudais tinham, o segundo não tem muito efeito mas significa uma capitulação aos preconceituosos pseudo-religiosos (algum deputado da "bancada católica" votou contra o código florestal, como recomendado pela igreja?), o terceiro é a reabertura dos manicômios, para se isolar os doidos dos olhares de gente de bem(ns).

Não, não estou arrependido de ter votado na Dilma. Porque votei mesmo foi contra o Serra, e ele pregava todas as três coisas na campanha. Ombro a ombro com Silas Malafaia, Kátia Abreu, e Jair Bolsonaro. Mas que dá raiva, dá. A desculpa sempre é a necessidade de preservar o capital político para votações importantes, mas que votações importantes seriam essas? Até o Obama, que também usa essa desculpa, passou o seu plano de saúde pelo Congresso, mas não vejo nada além do ramerrame banal de orçamento, DRU, e outras cotianidades ser tentado pelo governo Dilma. Sem jogar (mesmo admitindo a possibilidade de derrota) por nenhuma bandeira, o PT dá razão à acusação de que sua única função no poder é manter-se no poder.

Do código florestal já falei bastante. Mas para explicar as outras duas indignações:

Não há nada de concreto no evisceramento do PLC 122 que me preocupe. Pelo contrário, A) mesmo neutralizado pela cláusula que permite a homofobia religiosa, ele continua sendo mais estrito do que a realidade hoje, e B) eu não acho que a criminalização do preconceito seja uma forma eficaz de lutar contra ele. Estamos comemorando os sessenta anos da lei Afonso Arinos, que proíbe o racismo, e continuamos tendo elevadores de branco, o crime de dirigir enquanto preto, cabelos ruins, e uma diferença salarial entre pretos e brancos maior do que a americana. Mas se nãoé um problema concreto, é uma sinalização - como tantas outras - de capitulação à bancada evangélica. O que os evangélicos mandarem, que não seja contra a CNA ou a Fiesp, o governo fará. E a esse povo, como aos ruralistas, o poder subiu a cabeça. Cada vitória deixa eles mais radicais, ao ponto de daqui a pouco o MEC ter que ensinar criacionismo nas escolas. (Seria irônico o primeiro museu de ciências de grande porte do Brasil ser criacionista... ok, tô exagerando.)

Sobre o plano de combate ao crack: ele não é mais do que o higienismo de tirar os indesejáveis das ruas. Internação compulsória não ajuda em nada os malucos (e toxicômanos são uma categoria de maluco), só atrapalha. Por isso que o Brasil, entre outros países, eliminou os manicômios ao longo dos anos 90, culminando na lei Paulo Delgado, de 2001. Por isso que a verdadeira função desse plano não é ajudar os craqueiros, mas sim retirá-los das vistas alheias. O neo-amigo Kassab agradece a ajuda para seu plano de valorização imobiliária da região da Luz. E o complemento do plano é uma intensificação da guerra às drogas, num momento em que até o presidente da Colômbia (um dos marechais dessa guerra no mundo, portanto) está questionando ela.

Anfã.

5.12.11

Motosserras a postos

O governo federal anuncia que, apesar de muito pior do que o atual, o novo código florestal (aprovado no Senado por vergonhosos 59 votos a 6) pelo menos será, ao contrário do atual, cumprido, porque vão investir em fiscalização. Há rumores de que uma senhora em Taubaté acreditou, ainda a serem investigados. Os ruralistas, que comemoraram efusivamente o novo código, não acreditaram nem um pouco, e alguns deles já ressuscitaram neste ano uma prática que não se via desde 2003: o corte raso com correntão. Explico: enquanto os desmatamentos realizados desde 2003, quando começou a haver alguma, ainda que incipiente, fiscalização foram velados, coisa que só aparece quando é um fato consumado, alguns fazendeiros no Pará e Mato Grosso estão desmatando pelo método de se amarrar uma corrente de navio entre dois tratores e sair pondo a mata abaixo. Mais descarado impossível. E um tal descaramento só pode ter uma origem: a certeza da anistia.

A certeza se justifica pelo comportamento do Executivo, revelando uma das poucas mudanças políticas reais entre o segundo governo Lula e o governo Dilma. O governo foi contra a primeira versão do código desflorestal, aprovada pela Câmara, dizem-nos, mas foi contra naquelas, tanto que o seu relator, Aldo Rebelo, continua sendo um dos líderes governistas. Da nova versão, só 99% a favor do desmatamento, foi a favor. Não custa lembrar que Marina Silva pulou fora do ministério do meio ambiente justamente por conta dos atritos com a então ministra da Casa Civil. (Não custa, também, reclamar da Marina Silva que, com sua atitude olímpica no segundo turno, pode ter preservado seu capital eleitoral udenista, mas abdicou de influência em prol do meio ambiente. Fosse apoiando Serra ou Dilma, essa seria bem maior.) Diga-se, pra ser justo, que nem todos os senadores governistas votaram a favor desse aborto. Pra ser exato, Lindinho e Requião foram contra, além de Randolfe Rodrigues e Marinor Mendes, do PSOL, e Paulo Davim, do PV. (E, bizarramente, de Fernando Collor.)

Não é que a Dilma seja o Blairo Maggi. Mas nem precisa; quando a maior e mais coesa bancada do Senado, além do poder econômico, estão a favor de algo, ser neutro já é o bastante para a catástrofe se anunciar. Não custa lembrar que o desmatamento anual sob o FH, que também não era o Blairo Maggi, e tenho certeza de que tem em privado até maiores convicções ambientais do que a Dilma, era mais de quatro vezes maior do que hoje em dia. E o que é pior: assim como os ingleses que eram contra a Guerra do Iraque, que não tinham alternativa porque o partido de oposição era mais a favor da guerra ainda, o PSDEMB é muito mais a favor do desmatamento ainda. Afinal, se apenas dois senadores governistas tiveram coragem de se opor ao governo, nenhum da oposição de direita se opôs.

2.12.11

La Fontaine vs. Esopo

Anda causando alvoroço um relatório do UBS, o maior banco suíço, sobre as possíveis consequências do fim do Euro. Uma parte, em especial, chama a atenção:

Se um país forte, como a Alemanha, saísse do Euro, as consequências incluiriam bancarrota corporativa, recapitalização do sistema bancário, e colapso do comércio internacional. Se a Alemanha saísse, acreditamos que o custo seria da ordem de 6 a 8 mil euros para cada alemão, adulto ou criança, durante o primeiro ano, e entre 3500 e 4500 para cada pessoa, anualmente, na sequência; o equivalente a 20 a 25% do PIB no primeiro ano. Comparando, o custo de resgatar as dívidas da Grécia, da Irlanda e de Portugal em sua totalidade, em caso de moratória desses países, seria de pouco mais de mil euros, de uma vez só.

O relatório segue adiante com alguns outros alertas bem mais horríveis, como o de que a Iugoslávia precisou de umas guerrinhas genocidas para resolver o fim da união monetária, mas vamos nos concentrar nesse trecho, em que o banco fala do que entende: não é que os alemães estejam sendo chamados a fazer um sacrifício para salvar os países menores da Europa. É que o próprio interesse racional deles, se fosse aplicado, os faria gastar esse dinheiro. As pessoas não lidam muito bem com números abstratos, ainda mais negativos, então os alemães (logo eles, que desenvolveram o moderno sistema de resseguros) não se dão conta de que isso é um investimento com retorno de 6 a 8 vezes no primeiro ano, e 3 a 4 vezes todo ano na seguida. Qualquer um que se desse conta disso não apenas não protestaria contra um tal investimento, mas iria bater no Bundestag exigindo que ele fosse feito.

Mas não é apenas a falta de traquejo com números que faz os alemães preferirem o caminho que leva a mais problemas para eles mesmos: é que eles não estão vendo a coisa como uma questão de finanças, mas como se fosse uma moralidade medieval. Não importa que o mundo caia, esses perdulários* têm que ser punidos pela sua pusilanimidade. A cigarra tem que morrer de frio. É uma variantee do sentido de justiça que o ser humano compartilha com seus primos macacos (no caso dos chimpanzés, isso pode levar a coisas meigas como, por exemplo, um macaco arrancar a cara do outro com as mãos, a natureza é linda); não sei nem se pode ser, com justiça (heh) chamada de uma perversão. O único probleminha aí (além do sofrimento que esse senso de justiça causaria) é que a narrativa na qual ele se baseia é falsa. Os países periféricos não se endividaram porque são gastadores, e os alemães não acumularam dinheiro porque são formigas previdentes, muito antes pelo contrário. Fora a Grécia, todos os países periféricos violaram menos as normas fiscais de Maastricht do que a Alemanha.

O que acontece é que o Euro, apresentado como uma dádiva da Alemanha à Europa ("metade do Deutsche Mark para Miterrand, toda a Alemanha para Kohl"), na verdade embutia algums probleminhas para todo mundo que não fosse alemão. O Deutsche Mark entrou no euro subvalorizado, o que gerou (além da inflação nos países que receberam sua nova moeda forte) um incentivo estrutural para a Alemanha exportar. Ora, quando um país exporta muito, em condições normais, há um feedback negativo, um movimento que faz com que sua moeda se fortaleça, ele se torna menos competitivo, com isso exporta menos. O Brasil está sentindo isso na pele no momento. E a Alemanha, exportando para países que tinham a mesma moeda que ela, não teve esse problema, e não por acaso virou a maior exportadora do mundo antes de ser passada pela China. Isso sem nem entrar no mérito de que a política do banco central europeu foi sempre conduzida de acordo com os interesses das economias alemã e francesa (e benelúxica, por coincidência mais que qualquer outra coisa), e não dos outros.

O Euro não é uma benesse alemã aos europeus. É um esquema que beneficia os alemães frente aos outros, e que para funcionar precisaria de um governo central e planejamento econômico únicos. Mas os alemães parecem decididos a matar a galinha dos ovos de ouro.


*Seria muita maldade falar "Untermenschen."