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20.4.12

A mãe das barragens

Comentei, no último post, sobre o projeto do Hudson Institute que envolvia barrar o Amazonas. Se barram o Paraná, por que não o Amazonas, né? Pois bem, não exatamente. Primeiro porque, como já mencionado, a topografia rasa da planície amazônica (o declive até o Atlântico de Iquitos é menor que o de Petrópolis) significa que um dado rio vai criar um lago muito maior se barrado. Segundo porque uma diferença de escala, se grande o bastante, se torna uma diferença de tipo, e a diferença de escala entre o Amazonas e o Paraná, por maior que este seja, faz com que Itaipú, perto do dique Hudson, seja uma roda d'água.

O projeto, criado por um think tank da guerra fria em 1967, se equipara em fantasmagoria a outros grandes projetos, como os foguetes e aviões atômicos e as pesquisas paranormais. Tratava-se de uma grande represa no estreito de Óbidos, aonde o Amazonas mal tem uma milha de largura (e mais de 150m de profundidade, e corre a uns belos 10 nós), e uma série de represas em outros pontos-chave, criando uma rede de "grandes lagos" sul-americana equivalente aos da América do Norte e abrindo a Amazõnia para o desenvolvimento (eco eletrônico, por favor).

É difícil de conceber a escala dessa coisa. O Amazonas na seca despeja entre quinze e vinte vezes a quantidade de água despejada pelo Paraná (ou pelo Mississippi) no mar, ou um quinto de toda a água doce do mundo. O rio Negro, se desaguasse no mar, seria o segundo maior rio do mundo, maior do que o Congo (e três vezes o tamanho do Paraná). Outra meia dúzia de afluentes do Amazonas são maiores do que o Iang-tsé, aonde fizeram Três Gargantas. O lago principal seria do tamanho do mar Cáspio ou maior, e aumentaria em um a três segundo a duração do dia (isso mesmo, a rotação do planeta). Perto da usina de 200GW (mais do que o dobro da energia elétrica que o Brasil de 2012 consome), qualquer coisa remotamente magnetizável oscilaria a 50hz, e uma chave inglesa grudaria em concreto armado. O custo de construção, de novo só do dique principal, seria da ordem das centenas de bilhões de dólares. Sem os nutrientes carreados pelo Amazonas, o mar não estaria mais para peixe no Atlântico Norte até a altura do Potomac.

Felizmente, na época ainda não haviam descoberto nem a correção de acidez pesquisada pela EMBRAPA nem a Terra preta de índio eram muito bem conhecidas, então todo mundo achava que era impossível desenvolver agriculturalmente a Amazônia, por isso o projeto foi sepultado. Senão, hoje a Amazônia seria tão extinta quanto as florestas de pinheiro branco ao redor dos Grandes Lagos.

2 comentários:

Pedro Geaquinto disse...

Já viu aquele projeto que pensaram em fazer no Mediterrâneo, drenando-o e fazendo lagos no Saara, criando terras agricultáveis?

Eu achava muito interessante essa ideia de criar lagos no deserto, até que descobri aquele movimento de sedimentos do Saara que fertilizam a Amazônia...

Marília Del Vecchio disse...

Acho que duas coisas interligadas eram características da era de ouro da engenharia: uma é o entusiasmo, outra é a descondideração de processos estocásticos (também conhecida como "não pensar que vai dar merda"). E ambas ligadas, como no resto do pensamento do alto modernismo, a uma operação bizarra em que se reconhecia que o mundo era mais complexo do que a análise, e por conta disso simplesmente se desconsiderava tudo que não fossem as variáveis ecolhidas para análise. Por isso o acúmulo de desastres em escala gigante, de meados do séc XVIII até fins do XX. Nego ficava anos desenvolvendo protóripo de um trem, mas na hora de implantar um projeto de larga escala não precisava nem de meio teste.