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3.4.12

Shining city on the hill

A hidrelétrica de Belo Monte, neste blog, é quase um Leitmotif. Apesar disso, acho que cabe esta nota, quase um mea culpa: é que, da última vez que tinha escrito sobre o assunto, tinha dado a Inês como morta, alegando que agora a construção da hidrelétrica, com a concomitante destruição da Volta Grande do Xingu, já era inevitável. Pois bem, os fatos se encarregaram de demonstrar que, se a construção da hidrelétrica e seus danos socioambientais eram inevitáveis, continua essencial denunciar o modo como essa construção se dá. Mais ainda, Belo Monte é quase um microcosmo, mais concentrado, das mazelas do Brasil. Assim, em Altamira, temos:

polícia se misturando ilegalmente a segurança privada em prol de empresas
imprensa fazendo vista grossa para atrocidades cometidas em prol de coisas que eles apóiam
autoridades locais fazendo qualquer coisa em nome do "desenvolvimento" que na verdade é...
expropriação do capital natural acumulado, com pouquíssimo da produção revertendo em ganhos locais


E por aí além. Mas outra notícia - bem menos impactante, bem menor, bem menos grave do que Belo Monte - me impressionou. Lida hoje, ou seja, com algum atraso. Ela é assim:

A orla de Bertioga corre o risco de perder uma das cada vez mais raras faixas de praia ainda não urbanizadas da Baixada Santista. Um novo condomínio que ocupará uma área de 3,5 milhões de metros quadrados - mais do que o dobro do Parque do Ibirapuera, na capital - está em processo de licenciamento ambiental. Caso seja aprovado, cerca de 660 mil m² de mata de restinga deverão ser desmatados para abrigar casas, prédios, hotéis e centros comerciais.



O Buriqui Costa Nativa pertence à empresa Brasfanta - dona de marcas alimentícias famosas, como o adoçante Doce Menor e o suco Sufresh - e foi apelidado por ambientalistas de "Nova Riviera de São Lourenço", por ficar a poucos quilômetros do tradicional condomínio de Bertioga lançado em 1979. Seu projeto, porém, é ainda mais ousado. A população fixa planejada é de 25 mil pessoas, mais do que o dobro da Riviera. Na alta temporada, o empreendimento deverá atrair até 56 mil pessoas, população maior do que a de todo o município de Bertioga atualmente.



O atual Código Florestal protege a mata de restinga, mas uma lei estadual prevê a possibilidade de se urbanizar lotes com esse tipo de vegetação desde que se preserve no mínimo 70% da área. É essa a justificativa da Brasfanta para pedir a aprovação do empreendimento, pois o projeto apresentado ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) destina 80% para a preservação ambiental. O Plano Diretor de Bertioga também não proíbe a urbanização ali e permite prédios de até 15 andares na área.



Ambientalistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, porém, são contra a concessão da licença. "Além do desmatamento, um condomínio desses atrai população no seu entorno, o que vai causar ainda mais impacto na região. É um projeto que vai mais do que dobrar a população do município", diz Carlos Bocuhy, ex-conselheiro do Consema. Bertioga é a cidade que mais cresce na Baixada - o salto populacional foi de 54% entre 2000 e 2010 - e a previsão é de que o crescimento continue, graças à exploração de petróleo.



Outra preocupação dos ambientalistas é o fato de a Baixada Santista ser uma das regiões que menos tratam esgoto - em Bertioga, apenas 59% dos detritos são coletados e o restante é despejado no mar. "Atraindo mais pessoas, o entorno do condomínio poderá agravar esse problema", diz Bocuhy. Além disso, o impacto viário deverá ser expressivo: 12,2 mil novas vagas de garagem.



A Brasfanta, por meio de nota, afirmou que a expectativa de moradores está superestimada e, mesmo assim, haveria uma concentração baixa para uma área urbana. A empresa disse também que a área a ser preservada vai garantir a conservação vegetal e de biodiversidade e o empreendimento ainda vai oferecer uma estrutura urbana sustentável para a população.


Por que ela me impressionou? Porque, justaposta à sobre Belo Monte, ela deixa claro que no Brasil formas de opressão de primeiro e terceiro mundo coexistem lado a lado. Não é tão lindo quanto se o condomínio e a marina estivessem lá em Altamira, mas é uma evidência de que temos tanto o desmatamento da colônia quanto o da suburbana metrópole, o pré e o pós industrial. Assim como temos a escravidão rural das fronteiras agrícolas e a escravidão urbana dos imigrantes "ilegais." Assim como temos obesidade e fome, crimes da abundância e crimes da carestia. Questões de direito à privacidade na Internet e de direito a não ter a casa invadida sem mandato. Direitos humanos tolhidos pela nova sociedade de controle e pelos velhos esculachos da polícia. Eu disse que Altamira é um microcosmo do Brasil? Pois o Brasil parece um microcosmo do mundo.

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