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11.4.12

White America

Depois da negra Luzia, agora são os brancos de Clóvis que invadiram esta budega de continente americano antes do povo da Sibéria (ou, talvez, da Polinésia), ancestral pelo que se crê dos índios. Assim já virou bagunça.

Explicando: desde idos tempos* se crê que a colonização das Américas pelo ser humano se deu a partir da Sibéria, que durante a era glacial era ligada ao Alasca por terra (bem, por terra e gelo - como ainda hoje é, às vezes, no inverno). A tese alternativa era a de que teriam sido colonizadas por gente que veio da Polinésia pulando de ilha em ilha, esbarra na idade relativamente tenra das tecnologias de navegação e construção de barcos polinésias;** apesar do Thor Heyerdahl provar que é possível a chegada de meia dúzia desgarrada não importa com que embarcação, probabilidades tênues não são muito satisfatórias como hipóteses de colonização. Não que sejam sempre descartadas - a idéia da "Eva," única ancestral da humanidade, que teria sido a única sobrevivente de alguma catástrofe, está aí para provar, e nasceu do mesmo conjunto de técnicas genéticas que levou ao descarte (quase) definitivo da teoria polinésia.***

A teoria cada vez mais sólida da origem siberiana de todos os ameríndios esbarra, aí está o problema, na morfologia dos ossos encontrados nos mais antigos sítios de ocupação humana do continente. Primeiro os de Lagoa Santa no Brasil, da "Luzia" (apelidada em homenagem à "Lucy" queniana), pareciam africanos. Agora, há quem diga que a cultura Clovis, nos EUA, e também incrivelmente antiga, era branquela; as teorias de povoamento passam por barcos desgarrados e pelo gelo ártico para os Clovis, e só pelo primeiro para as Luzias. Não é uma questão tão relevante para a história posterior, até segunda ordem; tanto quanto se saiba, Clovis e Luzias não deixaram tanta influência nos povos que lhes suplantaram. Fica o quebra-cabeça, cada vez mais intrigante, de sua saga, mas é uma curiosidade específica da pré-história, quase compartimentalizada, assim como os nórdicos ("vikings") que chegaram às Américas muito antes de Colombo não têm muita importância porque nem sequer suas doenças deixaram deste lado da poça, ao contrário do impacto quase apocalíptico da chegada espanhola.


Ou melhor, não tem muita importância pra quem pensa de maneira razoável. Para muita gente, do Canadá ao Chile a questão da “primogenitura” é essencial; não é apenas importante mas o que mais importa. Seja por uma perpetuação da mentalidade da época colonial, em que o primeiro europeu a chegar em algum lugar tinha um direito sobre ele, seja por razões conexas - e menos confessáveis.**** Provar que, ou bem brancos, ou bem representantes de civilizações avançadas haviam chegado em seu território foi uma preocupação que gerou, desde o século XVIII, incontáveis "evidências" dessas civilizações. Lendo sobre o tema, a coleção de baboseiras é impressionante. Até já explicaram que a tribo apomadoc seria descendente de um príncipe galês (ap Madoc).

Então, não deixa de ser irônico que atualmente se avente a possibilidade de que realmente os "primeiros" colonizadores das Américas tenham sido primos dos antepassados dos europeus atuais. Bem, pelo menos os primeiros colonizadores dos EUA, a cultura Clovis. A descoberta, infelizmente para os racistas de plantão, se dá depois que os Clovis já perderam há muito a primogenitura das Américas - e os sítios mais antigos de todos, em Lagoa Santa e na Serra da Capivara, foram ocupados por uma população com traços fisionômicos negros.

Já posso fazer a cara de troll?


*Desde os anos 30, na verdade, apesar de o primeiro a ter formulado a hipótese ter sido um jesuíta em 1590. Sim, 1590.

** Uns 4.000 anos.

***A saber, a análise cromosomial e as teorias de taxa constante de evolução molecular. Esta já tendo sido até exportada para a linguística.

****OK, menos confessáveis uma vírgula. O episódio da morte de Trayvon Martin prova que ainda há muita gente disposta a bater no peito e proclamar seu racismo.

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